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Verão Sem Censura :: A Mulher Monstro


Nesse último ano temos assistido espetáculos, shows, exposições, livros, festas sendo atacados pelos governantes com o intuito de impedir manifestações críticas às ideologias quais tentam impor ao país, contratos descumpridos, projetos cancelados, cerceamento e proibições de ideias e estéticas. Mais recentemente, um plano traçado pelo governo apresentou um projeto de política cultura destinado ao renascimento das artes, tendo por valores o conservadorismo cristão, concluindo que, qualquer outra busca, não seria permitida. A nova configuração de censura no Brasil se deu por burocratizações ilógicas e ameaças aos funcionários públicos responsáveis pelas escolhas dos projetos e artistas em diversas instituições. Diante tanto, o Secretário Municipal de Cultura de SP, Alexandre Youssef, em uma ação reativa convidou todos aqueles proibidos e censurados, além de outros que historicamente passaram por condições semelhantes nas décadas passadas, e construiu um festival urgente: Festival Verão sem Censura. Tive o prazer de ser convidado para mediar e refletir juntos ao público e artistas em três espetáculos: Caranguejo Overdrive, Gritos e A Mulher Monstro. Aqui, as três reflexões curtas às aberturas dos encontros para as ideias seguirem reverberando nossas reflexões.

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A Mulher Monstro

S.E.M. Cia. de Teatro (RN/PE)

19.janeiro.2020

Algumas vezes não existe solução. O óbvio se revela tão improvável que apenas o ridículo é capaz de estabelecer algum aspecto crítico. E tudo que é tão evidente faz com que não caibam reflexões. O ridículo, então, tem sua própria estratégia: é autossuficiente e autoexplicativo. É exatamente isso que nos retira as justificativas do pra que se incluir ao debate. Dizer o quê, além do já exposto? O que antes eram recursos de alguns, nos últimos anos se consolidou mecanismo de anulação das vozes críticas. Ao se tornar ainda mais estrutural, fazendo-se linguagem e, a partir de seu reconhecimento, uma espécie de nova identidade, o ridículo foi ampliado ao absurdo. Há uma complexidade vinculada à transição. Diferente, o agora absurdo não impede mais as manifestações contrárias, pois configuram acontecimentos e identidades capazes de nos impor o silêncio estupefato. Por ser idealizado e premeditado, o absurdo é radicalmente mais perigoso.Quando alguns indivíduos públicos se apropriam da mídia - tornando-a seu espaço de divulgação - e dos cargos públicos, escolhendo os ridículo e absurdo por linguagens, a sociedade se vê silenciada e incapaz de reagir. Dia-a-dia os absurdos tem surgidos calculados. E a cada novo, os silêncio estão se tornando mais longos. Isso porque absurdos são capazes de provocar algo mais profundos: medo. Até onde irão? O que serão capazes para sustentar o estado de caos? No convívio cotidiano com a dúvida, o medo é a dinâmica imposta à imaginação. Eles não fariam isso, não seriam capazes daquilo. Só que o absurdo respira pelo inesperado para existir potência de linguagem. Eles farão. Eles serão capazes sim. Precisamos parar de duvidar e passar profundamente a acreditar que sim se quisermos reagir.Ao copiar sem pudor uma fotografia do principal agente de comunicação nazista, o ex-secretário de Cultura, até então exemplo propositado do ridículo no governo, chegou ao ápice do absurdo. Sua tentativa de ridicularizar principalmente os artistas brasileiros, representando algo que imaginou não seria percebido, no gozo de sua piada interna olhou a todos como inferiores, incultos e covardes. Não deu certo. Afinal, até mesmo o absurdo, ao tornar-se medo, tem seu limite antes de se valer pelo horrível. Ou ainda, nas palavras mais precisas, monstruoso.Se esses são os explícitos, é por existirem, antes, uma sociedade que, por muito tempo, escondeu seus monstros. Agora soltos e cada vez mais convidados a se exporem, também os monstros anônimos precisam ser combatidos. Pois é por eles que os preconceitos mais diversos têm buscado reinventar a sociedade, os limites, os desejos, as permissões, os pensamentos. São monstros tão perigosos quanto, e estão ao lado como vizinhos, amigos e familiares.Em A Mulher Monstro o público é atraído, então, para olhar ao horrível presente e escondido no banal. Invertendo a estratégia, a mulher em cena é antes a caricatura do absurdo para que possamos chegar ao acúmulo dos muitos ridículos. Não se trata de ser alguém, mas um signo, portanto. Uma espécie de catálogo que, disposto no palco no interior de uma jaula, feito um freak show q mistura os circos de aberrações de outrora e o futurismo q recupera o horrível de nosso tempo, amplifica aquilo que devemos urgentemente reconhecer e combater. Do contrário, duas são as possibilidades: os monstros continuarem a se sentirem livres para existirem como tais. Ou, o silêncio nos transformar em monstros diante o sofrimento de nossas próprias deformações. O espetáculo, por fim, é principalmente um convite à lutarmos pelo pouco que nos resta de humano. E precisamos correr, pois já entenderam a força do teatro a isso. Antes que até o teatro se torne monstruosamente ridículo em busca de um absurdo renascimento.

R u y F i l h o

registros: Patricia Cividanes

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Ruy Filho: mediador convidado pelo festival Verão Sem Censura

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