MIRADA 2018
Acompanhe aqui as resenhas de Ruy Filho sobre o festival.
__Labio de Liebre
Teatro Petra, Colômbia
Sesc Santos
Uma das características da história latino-americana é o desaparecimento de pessoas durante as diversas ditaduras que assolaram alguns de seus países. Se o tema parece preso ao passado, basta ligarmos em algum noticiário televisivo ou abrirmos os principais jornais para percebermos ser esse um costume institucionalizado ou recurso ao controle e poder. Seja no México pelos narcotraficantes, na Colômbia pelas Farcs, Nicarágua e Venezuela por seus Governos, jovens negros nas favelas cariocas pelos milicianos, Maldonado na Argentina. Os exemplos podem ir de amplos a específicos e seguem a trajetória de terror pelo qual se instituiu a morte, o desaparecimento e a ausência como narrativa de opressão e ameaça. Em Labio de Liebre, Fabio Rubiano Orjuela, autor e diretor, propõe olhar à questão fugindo da seriedade excessiva que um primeiro gesto traria. A ironia está no reaparecimento a um assassino de alguns de seus mortos. Buscam encontrar seus corpos e assim reativar suas memórias mais concretas. O corpo, então, assume a metáfora de ser não apenas a presença de alguém, mas a afirmação de sua realidade. Como nos comprova a América Latina, ao não termos a materialidade dos corpos, é como se a existência fosse meramente uma sugestão em meio ao coletivo amorfo e impessoal. Pessoas nunca são impessoais. Em verdade, essa é um dos artifícios do que hoje se chama Política de Invisibilização, algo ainda mais terrível do que a habitual Política de Anulação qual já estávamos reagindo. O tema é urgente, pois reativa a nova condição a qual chegamos. Ou sempre estivemos, de certa maneira. O espetáculo é grandioso e busca dar conta do tamanho do discurso qual esbarra. No entanto, por querer fugir ao realismo, o que em si é uma boa solução para não limitar o espetáculo ao discursivo e ilustrativo, Fábio exagera no alegórico e a caricatura acaba por enfraquecer o conflito que importa, instituindo certa leveza e diversão para além do necessário, levando-o a ser mais dispersivo. Poderia ser por meio da atuação o desvio necessário para fugir dessa armadilha e provocar ruídos mais significativos ao todo, contornando o leve para nos confundir entre a urgência e a inutilidade de tratarmos o tema, uma vez que naturalizamos esses fatos. Não significa atribuir a assuntos complexos proibições sobre como serem abordados. O irônico é, essencialmente, uma estratégia eficiente por suas provocações capazes de conduzir a percepções inesperadas. Por não provocar radicalmente, porém, Labio de Liebre limita-se a divertir em muitos instantes, sobretudo quando mais próximo aos trocadilhos que, não saberia identificar se proposital ou não, de programas televisivos; não alcança também a reflexão pretendida sobre o assunto, ou incomoda, e está longe de construir algo pelo constrangimento nessa diversão. O Teatro Petra precisa, ao fim, decidir o que de fato lhe interessar com essas escolhas. Por hora, o público riu. E, até isso, não foi muito.
(crédito fotográfico não encontrado)
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_O BRAMIDO DE DÜSSELDORF
De Sergio Blanco, Uruguai
Sesc Santos
Esqueça a ideia de que escrever uma peça é simples, depende de boa vontade e dedicação. Sim, mas se o interessado for alguém que se importe menos com os resultados e mais com a vontade. Todavia, Sergio Blanco, presente no festival (novamente) com O Bramido de Düsseldorf explicita o quanto a qualidade de uma dramaturgia depende do invento da arquitetura de sua escrita e capacidade em instituir camadas aos signos e ações. O dramaturgo e diretor uruguaio dribla com aparente facilidade as estruturas formais intuindo a cada novo trabalho não apenas estratégias dramáticas, mas riscos precisos de se perder em seus próprios labirintos. E essa é sua originalidade: a de estabelecer perigos definitivos aos seus textos. Suas auto-ficções, como as nomeia, são investigações sobre si a partir de narrativas impossíveis de se desvendar aonde são criações e fatos. Não importam. Alguns aceitarão tudo como reais, outro como ficções, e suas peças sempre acabam servindo ao espectador uma tentativa mais do artista se locomover em sua direção. Assim, Sérgio rascunha-se ou compreende-se, e em ambos é figura central ao argumento qual traduz enquanto cena. Habita nesse existir-se centro o incômodo de uma pretensa observação de ser possível identificar o mundo e o indivíduo apenas e sempre a partir do próprio. É um dos riscos quais falei, o de ser entendido como alguém autossuficiente demais, para quem busca traduzir e revelar a complexidade do real, em suas múltiplas possibilidades de subjetivação. O Eu, nos espetáculos de Sergio Blanco, é mais do que o íntimo ou próprio, é sobretudo referencial e substancialmente capaz de condensar e reduzir os demais. Sergio quer para si a condição de ser o ícone capaz de representar qualquer um, e não metaforicamente. O que pode ser um exagero às próprias pretensões, no entanto assume outras complexidades: o Eu de Sergio é radicalmente a representação do deslocamento de como percebermos o nossos próprios Eus. Sem essa utilização auto-referencial, Sergio teria de ser demonstrativo, ilustrar sua compreensão do indivíduo, e suas estratégias acabariam limitando seus textos a meras construções de personagens. Em O Bramido de Düsseldorf, como em outros trabalhos, não se trata de construir personagens, mas de sugeri-los aos pedaços, caoticamente, dependentes das narrativas que os circunscrevem para que, percebendo-os em relação, conquistemos sugestões de quem são. É nessa lógica que a arquitetura de sua escrita é sempre maior do que o narrado, pois trata de acumularmos também os espetáculos para costurarmos a própria identidade do autor. Quem é realmente Sergio, para além do artista, apenas pelo enxerto trazido em cada um de seus textos, um dia (talvez) descubramos. E só então teremos uma melhor capacidade de percebermos seu projeto artístico. Até lá, resta ao espectador assistir como der, perdendo pedaços e encontrando outros. É nesse limite que ocorre o maior dilema. Mesmo Sergio, ao montar seus textos, parece perder-se em uma tentativa de elucida-lo ou elucidar-se. As montagens de suas obras acabam simplificando o trajeto labiríntico tornando-o o processo de aguardar o final que nos trará a leitura devida ao erguido. A sensação é de que, ao ser realizado, o teatro até então no papel termina por ser menos inquieto e complexo do que se propôs. Como apresentar algo, uma vez que isso exige interpreta-lo e resolvê-lo, sem que tal processo seja conclusivo? A dramaturgia inquieta e poderosa de Sergio ainda provoca a cena a conquistar iguais características. Por hora, continua a forma trazida pela concretude do palco determinando à palavra uma resposta. Lido, Sergio Blanco é maior, extremamente irredutível a uma imagem dele mesmo. Até aos grande, o teatro tem suas artimanhas para ser indomável.
foto Nari Aharonian
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_FUNERAL PARA A IDEIA DE UM HOMEM
De Colectivo Funeral para una Idea, Equador
Teatro Guarany, Santos
É preciso coragem para olhar ao Sujeito e perceber que nele, como está dado ao nosso tempo, não faz mais qualquer sentido. Não apenas a lógica social está em profunda transformação, como também a cultural. E a soma entre ambas é explosiva aos valores até então tidos por estáveis. Ocorre que, no entendimento do que seja o Sujeito, subsiste a condição de determinadas subjetivações impostas ao Indivíduo, e são exatamente essas que não se realizam mais. A urgência sentida, e que não necessariamente precisa ser explicada ao Indivíduo, é de que outras subjetivações, ainda não decifradas, o modificaram sem retorno. Assim, o Indivíduo é líquido, segundo alguns, não mais identificável, segundo outros, ahistórico, para outros mais. Importando pouco a perspectiva pela qual se compreenda a transformação, partindo do pressuposto do Indivíduo não ser mais o mesmo, também o Sujeito desdobrado desse precisa encontrar novas qualidades e justificativas. Toda dessubjetivação implica no aparecimento de novas subjetivações, por conseguinte é para elas que urge olharmos. Como? O paradoxo é sermos capazes de perceber as coisas apenas após consolidado, quando o Sujeito identificado pode ser traduzido a isso ou aquilo. No entanto, a jovialidade, como lhe cabe desde sempre, busca e requer respostas. É mais simples entender os movimentos que revisam o masculino e feminino, a representação política ou cultural, as morais, os dogmas, as posições. Todos são abstrações de ideias que se validam concretas por atos. O Sujeito que as representa é claro enquanto presença, ainda que difuso às definições. Por isso é pela urgência do jovem que requer sua identificação ao mundo, que o novo ou outro Sujeito precisa ser acessado. No querer ser, o jovem criará o próprio Sujeito qual será, e não como fora até aqui, quando o jovem percebia o Sujeito qual deveria ser. Ao olhar para suas próprias histórias, ainda que recentes, os jovens estabelecem o paradigma de serem elas maiores do que as de antes, pois são sobre um outro Homem, outro Indivíduo, outro Sujeito, mesmo que não os concluam. Pois pode ser exatamente essa a liquidez do novo Sujeito: o inconclusivo, e não a transformação de algo a algo, mas de um quase a outro quase. Funeral para a ideia de um Homem é exatamente a busca pelo desligamento das subjetivações mortas que insistem em permanecer com tudo o que carregam de vícios, acertos, equívocos, possibilidades, frustrações. Faz sentido, então, que teatro, dança, circo, performance sejam estímulos para as presenças que ritualizam suas transformações. E é importante ser percebido que no espetáculo equatoriano isso ocorre principalmente pelo discurso estético sobre o existir dessas presenças em cena, é o ritual em si. Os performers ocupam o palco para olhar para si por ângulos e aspectos que o real não lhes permitiria; mas nem por isso são outros que não eles mesmos em suas próprias realidades. Por serem jovens, as ideias surgem refinadas em estéticas e proposições. E por serem jovens há ainda a necessidade de aguardamos um tanto mais para descobrirmos até onde essas ideias chegarão. O espetáculo carrega escondido um pouco da ingenuidade dos vocabulários que se desvelarão com o tempo. Então é preciso lhes dar tal tempo. Por que não há dúvidas que o Coletivo Funeral para uma Ideia está muito próximo de se encontrar, reinventar e se estabelecer como um ótimo Sujeito às Artes Cênicas da latino-américa.
foto Pablo Toapanta
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_A CIDADE DOS OUTROS
De Sankofa, Colômbia
Teatro Brás Cubas, Santos
Qualquer tentativa de abordar, por mais sutil e simbólica que seja, aspectos da escravidão, suas consequências inerentes, suas respostas planejadas para serem ainda mais cruéis, seus sistemas de inversões de valores e argumentos à favor de sua manutenção disfarçada..., enfim, tudo o que se referir a essa desumanização do outro, subdividindo-nos em categorias artificias irreais traz por si só um manifesto contendo um tanto de dor. Afros e negros, já que certa vez alguns próximos foram corrigidos por um africano de que eles não são iguais, assim como não seríamos iguais como latinos, exigindo respeito às suas característica culturais e históricas sem padronizações e simplificações. De lá pra cá, os termos ganharam sentidos e ideologias e tudo é mais complicado identificar. Não pelo identificado, mas por traduzir ao fazê-lo aquele que identifica. A fato é o espetáculo colombiano A Cidade dos Outros já ser objetivamente ambivalente no título sem ser paradoxal. É dos outros, os não afros, os não negros, pois são esses os dominantes e os que determinam o modo de pertencimento e participação aos demais. Mas é também dos outros, os afros, os negros, por serem esses os outros que reafirmam a Colômbia como é, como está, como se fez. O outro, então, em suas duas condições, em uma sobreposição inevitável cujo convívio de reconhecimento implica em reativar seus valores e dilemas. É na fricção entre os dois registros que Rafael Palacios conduz cerca de duas dezenas de performers – dançarinos/as e músicos/as - em uma coreografia que busca traduzir o contexto dos afros e negros na Colômbia atual, aproveitando o aniversário de 159 anos da abolição. Meu primeiro pensamento, ao iniciar o espetáculo, é nos faltar 29 anos para comemorarmos o mesmo, e de temer não termos tanto tempo assim. Em A Cidade dos Outros o impacto é trazido pelas pessoas no palco. A vitalidade, virilidade, sensualidade, o feminino, a presença, o gesto, ritmos, olhares, tudo anseia por afirmação. Não a de quem quer ser reconhecido, mas a de quem já se reconhece e exatamente por isso se afirma vivo. Existe um pulsar ininterrupto de reconhecimento da própria presença que a torna discursiva. Há uma manifesto político ao manifestar-se presente. E é lindo. São tantos talentos em um mesmo acontecimento, surpreendendo o espectador pela formação de um agrupamento profundamente especial. O corpo coletivo é a dimensão daqueles em seu interior. É um e muitos. Os mesmos, portanto, simbolicamente, enquanto tradução do um Na cidade e Da cidade. O outro em cena é o parceiro ao lado, somos nós a observá-los, é aquele nos olha de volta. E não se quer necessariamente equilibrar esses vetores, o que é mesmo o melhor acerto. No entanto, Rafael intervém instituindo a tentativa de torna-los parte de um espetáculo, quando, na verdade, são eles próprios o espetáculo. Com isso fragiliza a relação com o espectador que passa a assistí-los como integrantes de algo. É evidente que as escolhas estão dadas não como acasos, e muitas delas são preciosas. Todavia, algumas se limitam pela tentativa de representar o desnecessário figurativamente. A Cidade dos Outros leva o espectador ao arrebatamento principalmente pelo encontro, por fim. Se Rafael aplica-se de modo mais radical o próprio argumento que criara, deixando ser do outro a cidade espetáculo, talvez atingisse o sublime. Não dá para saber, apenas imaginar. De todo modo, entre o formalismo que requer e a dimensão da própria natureza daqueles em cena, respiram corpos em busca de liberdade. Emoção existe. Discurso existe. Estética existe. Imagine o que aconteceria ao possibilitar algum descontrole libertário desses homens e mulheres maravilhosos tendo Rafael como maestro e não apenas coreógrafo.
foto Sergio Gonzalez Alvarez
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_TOPOLOGIAS PARA CORPOS INFINITAMENTE INCONQUISTÁVEIS
De Edgar Mercado, Argentina
Doca Valango, Santos
Propor alguma espécie de deslocamento ao espectador é uma prática corrente às produções contemporâneas. Seja cognitivo, simbólico ou físico, muitas vez o próprio movimento de experienciar algo é trazido ao contexto atribuindo ao outro qualidades participativas naquilo que vivencia. Sem a presença do espectador, portanto, a obra não existe; o que é radicalmente de quando solitária não é assistida. Essa consistência do outro na formulação do próprio conceito e justificativa é o que atribui a esses espetáculos a performatividade pretendida. Problematizando linguagem e meio, é preciso, todavia, os espetáculos superarem o efeito de seus contextos, certa sedução, pelo qual o apaixonamento pelo próprio interfere em uma maior observação crítica do criado pelo criador. Não é esse um dilema exclusivo do performativo, e nem de agora. De algum modo, o auto-encantamento surge como resposta, desdobramento, consequência à profunda tentativa de erguer pelo trabalho algo sincero e genuíno. Mas é no performativo que o encanto muito vezes explode ao descobrimento de um princípio que parece ser suficiente ao ser ativado quando apresentado. No risco de não sê-lo, a sedução acaba limitada aos próprios realizadores, enquanto ao espectador resulta a experiência de procedimentos específicos que se esgotam quase sempre cedo demais. Assim, os espetáculos seguem seus tempos, enquanto resta ao espectador, ainda que parte fundamental ao todo, permanecer assistindo o que não se desdobra em novos estímulos ou seduções. Fazer é mais interessante do que assistir, é a conclusão. O dilema está em como se reconhecer seduzido, encantado, uma vez ser real a potência vivenciada pelo artista? Como deslocar-se ao lugar do outro, distanciando-se dos argumentos e interesses, ao ponto de perceber o espetáculo para além de escolhas e processos? Cada artista encontrará meios de se desprender de suas próprias armadilhas, ou precisa encontra-los. Sem isso, o espetáculo corre mesmo o sério risco de ser algo para si. E aí, o outro, tão fundamental ao contexto, é menos o atributo performativo, pois limita-se a ser o elemento externo apropriado pelo espetáculo e não o aproximado. Topologias, do argentino Edgar Macedo, é seriamente um trabalho candidato a ocupar a lista como esses perdidos no próprio encanto. Um chão artificial transformado por uma cama de ar, em que os performer estão simultaneamente protegidos do público e disponíveis ao toque sob a película plástica transparente, cujos movimentos reinventam a topologia e geografia instituindo instabilidade e novidade a todo momento, reinventando a presença do espectador nessa narrativa física entre aproximações, solidões, deslocamentos não previstos, cartografando o indivíduo a partir de seu comportamento induzido. Como não se seduzir e encantar ao construir e oferecer tanto? Na prática, porém, aos poucos, as pessoas se afastam rumo aos espaços menos manipulados do chão ou se protegem sem pudor fora do retângulo cênico. Permanece do conceito inicial apenas o desenho cenográfico que se atribui ao plástico durante os gestos dos performers. Em trabalhos dessa natureza, costumo me aventurar a assistir sobretudo o público, dada sua relevância ao contexto final. E, olhando-o, pareceu-me o espectador a espera de um acontecimento, algo ou do fim. O que é inquieto logo se acomoda; o que é novo, rapidamente se reconhece; o que é conceitual se perde em efeito. Topologias precisa alcançar ainda a sedução daquele que também é ele: o público. Sem isso, por melhor que sejam os argumentos, o efeito sempre vencerá as mais inquietas tentativas. Ouvir ao final ter sido uma experiência legal, divertida, é mesmo pouco ao que o trabalho é capaz de oferecer. É preciso que ele rompa o próprio plástico que o delimita e instigue o outro a ser a experiência. Todavia, é preciso dizer ainda que, trinta minutos ou mais de atraso, como foi o acaso, é demasiadamente incontrolável sobre o interesse e expectativa do público que, inevitavelmente, desiste de tentar ser a experiência, a cada minuto que passa, enquanto pensa que talvez se atrase ou perca o próximo espetáculo. Há que se produzir de maneira mais responsável, portanto. Afinal, isso também faz parte de como uma experiência é trazida e oferecida, quando não entendida apenas como sendo mais uma ou mero produto do festival.
(crédito fotográfico não encontrado)
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_VOU VOLTAR
De Ponto de Partida, Minas Gerais
Ginásio, Sesc Santos
A história da América Latina pode ser compreendida entre os períodos democráticos e ditatoriais. Intercalados por uma espécie de repetição incessante, ainda hoje vê-se regimes autoritários imporem-se, enquanto ao país ao lado reinventa-se e amplia a liberdade. Despois, trocam-se os papéis. Essa dicotomia instituiu um estado de incerteza que, se outrora fora tido passageiro, agora se verifica insistente e constante. Ronda-nos o perigo pelos exemplos. E sempre há novos exemplos. É plausível, por conseguinte, perceber o imaginário sempre temeroso, mesmo quando o indivíduo for o melhor dos otimistas. No temor desse passado cíclico, e quase todos os países do continente tiveram o seu, o futuro se mistifica como algo a ser brutalmente confrontado. O engano está exatamente na crença de que afirmar ao amanhã poderá erguer proteções, já que um dos principais argumentos que esses passados explicitam é de importarem quase nada, fundamentalmente aos poderes, as opiniões. O eterno retorno é o principal exemplo de como querer diferente não basta para construção de outro existir. É preciso agir. Mas é urgente pensar, antes de agir. Afinal, quando os argumentos ocupam os mesmos lugares de sempre, as respostas só chegam aos mesmos limites dos fins já conhecidos. O contemporâneo tem sido duro ao questionar nossos pensamentos, escolhas e ações. E parece que apenas querer não traduz mais as revoluções mais óbvias, dentre elas, a busca pela afirmação da própria liberdade.A arte abriga espaço singular ao desenvolvimento de pensamentos. Todavia, também esse, que parece um princípio inabalável, tem exigido subversões. Hoje, a arte abriga espaço necessário ao desenvolvimento de inventos. Significa tê-la como dispositivo à reinvenção do indivíduo, da sociabilização, do civilizatório, dos argumentos, das estéticas, não mais por sua solução – ou seja, pelo reconhecer seus problemas e correções -, e sim pela tentativa de oferecer outro de tudo, ainda desconhecido e experimentado em potência pela dramaturgia, poética e linguagem. Por isso, o artista deixa de ser aquele que realiza algo para dialogar com o outro, por meio de sua capacidade em traduzi-lo, explica-lo. Tornam-se desnecessários processos até então válidos, tais como discursos morais, ideologias objetivas, estéticas literais, visto que esses só podem oferecer a capacidade de observar o passado, nunca o futuro. Sem mudar os procedimentos, não se produz consequências novas. Talvez seja esse o maior dilema ao teatro político que assuma com sinceridade seu querer elucidativo e educativo. Afinal, o ontem rebatido por tais princípios e procedimentos parecem mesmo terem trazido o ontem de volta na qualidade de contra-respostas inevitáveis. Vou Voltar é um desses espetáculos que, em boa fé, apropria-se da história para falar do presente. Olha ao Grupo El Galpón, um dos mais especiais na latino-américa e responsável por instituir os valores estético-políticos em muitos grupos e companhias que lutaram contra ditaduras, censuras, controles, poderes, atribuindo ao teatro a função de ser o grito por Presença, discurso e liberdade. Falar da companhia, então, é mesmo especial. Eles ganharam o mundo e instituíram linguagens. E, ainda que ativos hoje, habita-lhes um passado ao fazer que insiste no didático e na educação, como se as coisas pudessem ser resolvidas em um binarismo maniqueísta. Resulta em um espetáculo de outro tempo, de outras épocas, de outra geração, de um fazer esgotado diante das tantas repetições e usos que tivera nessas últimas cinco décadas. E o que poderia ser um discurso urgente se limita a recordar o estudantil. O que se verifica no argumento, acaba por existir também na forma, no teatro proposto, na linguagem de cena, das técnicas dos exercícios de sala de aula, sem tanto invento quanto requer o contemporâneo. Ao olhar demasiadamente o ontem, o espetáculo se confunde com o passado tentando reproduzi-lo. Porém, o teatro não deveria ser enciclopédico, demonstrativo. Isso é mesmo pouco, por mais que exija estudo e preparo. É curioso e paradoxal que um espetáculo que se volte a pensar a democracia a partir da liberdade esteja tão aprisionado a valores e fazer de outros tempos, abrindo mão de sua própria liberdade em ser radicalmente propositivo e original. De um lado o argumento olha ao espectador e conta que sim, a liberdade é possível; de outro, o espectador olha ao palco e assiste exatamente um teatro que lhe responde com um conservadorismo que lhe diz não. Afinal, Vou Voltar está de lado dessa equação: do discurso ou da arte? Talvez tenha faltado se perguntar mais insistentemente sobre isso.
foto Júlia Marcier
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_A INVENÇÃO DO NORDESTE
De Grupo Carmin, Rio Grande do Norte
Casa Rosada, Santos
Abordar os estereótipos pode ser divertido. Por conseguinte, aproxima ao espectador a problemática de como esses se impuseram nas leituras sobre as coisas, culturas, situações e pessoas. E é aí que a aparente diversão se transforma em questionamento sobre o próprio valor trazido por tudo isso ao espectador. Ao rir, reconhece-se, do contrário a anedota não teria sentido e o engraçado não surgiria. Ao achar engraçado, revela ser aquele que assim achou parte dos que estereotiparam as coisas, culturas, situações e pessoas. Muitas vezes, mesmo sem querer, é preciso dizer. Não significa sempre haver maldade ou consciência. Também não significa que, por ignorância ou ingenuidade, não faça o mal qual faz. Há uma linha tênue, então, entre o sentido e o pensado, e o cômico é cruel em revela-la de modo nada sutil. Partindo do livro A Invenção do Nordeste e Outras Artes, de Durval Muniz de Albuquerque Jr., o potiguar Grupo Carmin explora a condição de atores nordestinos durante um teste para papéis nordestinos em uma série televisiva. Confesso, não tenho a leitura do livro, então comparar as respostas em literatura e teatro me é impossível. Ocorre que, no teatro, mais objetivo na construção das imagens, tipos e falas, ganha-se em presentificação dos gestos, tons, tipos, caricaturas e escolhas inevitáveis requeridas pela representação. O teatro por ser ilustrativo - quando comparado a literatura e sua característica de exigir certo exercício imaginativo do leitor -, determina uma espécie de desenho definitivo; padroniza a maneira como todos supostamente criam a imagem do nordestino. Fugir desse paradoxo é o dilema real a ser enfrentado, e que, todavia, o espetáculo se perde sem conquistar intentos mais inesperados, ainda que a encenação traga sim qualidades e escolhas carregadas da assinatura da companhia, o que por si é já muita coisa. Todavia, a escolha dos atores nordestinos aprisionados pela própria percepção imagética de como seriam suas traduções, precisa ser melhor desconfiada para compreender ser ela apenas uma das faces possíveis. Na literatura, cada leitor construirá o estereótipo a partir de seus próprios preconceitos e julgamentos tornando mais amplo e crítico o objetivo. No teatro, se não ocorrer ao acaso o reconhecimento do estereótipo, distancia-se o espectador de modo imperativo, por não acessar nada além de um olhar generalista. Até mesmo pelo tema, o espetáculo também se volta ao próprio nordestino tensionando a aceitação do estereótipo para melhor atender os interesses de terceiros, o que faz do argumento algo melhor do que a cena. Contudo, este pertence em origem ao livro, e o que deveria vir pelo teatro fica mesmo menos inquieto em sua busca por solucionar estética e narrativamente a literatura. Em tempo de autorizações, desautorizações, lugares de falas, falas simplesmente, lugares e suas especificidades, pertencimentos e tudo mais, é curioso ver o quanto ser um artista nordestino para falar sobre o estereótipo sofrido pelo artista nordestino acaba por impedir que ele mesmo possa atuar com mais ênfase na crítica de sua própria exposição. Não basta ser, é preciso não instituir na leitura aquilo que lhe é inferido. Não bastam a ironia ou autocrítica, é fundamental que seja sinceramente verdadeira em sua capacidade de ser ridícula. A invenção do Nordeste, o espetáculo, interessa pela provocação e tradução dos artistas por quererem maior liberdade para serem apenas quem são. Só que ainda falta tridimensionar a tentativa, ser uma experiência inesperada e menos presa às ideias. Falta conquistar a dimensão literária da imaginação para escapar da armadilha de seu próprio estereotipo também como teatro.
foto Karen Lima
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Ruy Filho e Patrícia Cividanes viajam a convite do SESC São Paulo.