top of page

A Casa de Bernarda Alba

Direção: Fernando Pivotto.

Teatro Viga, SP

É preciso dizer que a cena sempre ganha com a chegada dos grupos que pensam os clássicos em cena. O tempo que transforma todo amor em quase nada, como vaticinou Roberto Carlos, transforma também todo clássico em quase museu - e é preciso resistir com materiais. É preciso montar e deixar em cartaz para que se revele o corpo da obra. Lorca é um autor expressivo não apenas historicamente. Sua densidade dramatúrgica atravessou o tempo e na boca do grupo parece atual. Entretanto! Sinto que apenas a sintática poética sobreviveu ao tema e a forma. Se tudo em Lorca parece vivo no papel, curiosamente não é assim que encontramos na cena. Ainda que se faça presente a energia do grupo, A Casa e Bernarda Alba naquela noite me pareceu um texto circular. A direção deu conta de transformá-lo em estrutura visível, mas o texto do dramaturgo finalmente encontrou seu ponto de chegada. Sua tecnologia dramatúrgica não exibe mais o brilho dos efeitos cênicos. O público treinado no dança mais esta dança e Lorca termina como poeta em cena. O grupo instintivamente reconhece esta fricção e nos oferece um amplo repertório visual que dá conta de amornar o descontentamento que aquelas longas discussões produzem. As atrizes e o ator engajam-se em empregar peso em suas figuras e isto faz da montagem uma intensa oferta do que estará adiante no destino do grupo. Investigar os clássicos foi uma oportuna forma de nos fazer perceber como a tendência do dramaturgo em sala parece fundamental para o momento atual. Pois se o grupo reuniu-se e empregou eficiente forma e o diretor soube alocar o texto de forma responsável em sua montagem, o que ali deixou de ser? Entendo que o texto estava abaixo dos elementos ao seu redor. Eu havia pensado em cometer esta fala sugerindo que a montagem começasse pelo final. Os 10 últimos minutos foram de rara energia e forçaram os olhos a perceber como tudo levou até aquilo. O elenco estava quente. A luz se afunila. A direção parece firmar-se. O texto enfim encontra seu lugar no presente. Não sei porque não comecei falando disto. E agora que toquei neste ponto percebo que me desviei para poder de fato pontuar a coragem que tiveram. Pegar um clássico e trazê-lo com todas as suas vírgulas, ainda que isto estrangule as outras nuances ou roube a energia que o presente produz e exige, é uma rara virtude aqui cultuada. E que para os próximos trabalhos a Cia Inominável se empodere e faça da tradição uma vanguarda. A vanguarda estava no corpo mas fugiu do conteúdo. E que no próximo trabalho o grupo encontre um autor que o toque e disto venha uma forma mais próxima do calor do grupo. Entre a coragem e a realização, entre a eficiência e a resistência do material textual, a Cia Inominável instaurou um teatro de forte presente obstinada busca.

foto Paula Tonelotto

bottom of page