Refluxo
Direção: Éric Lenate.
Texto: Ângela Ribeiro.
Sesi - SP
As personagens, não fosse a poderosa caracterização e as heroicas interpretações , poderiam ser as mesmas personas. No escuro, se recebêssemos apenas suas falas, não haveria distinção, seriam sempre a mesma voz, coisa que, em busca de novidades intelectuais, termina encontrando a mesma caricatura e o mesmo desinteresse por falar do mundo enquanto possibilidade. Não há fábula, as palavras parecem querer significar acontecimentos pelo simples fato de serem "palavras em cena". E na falta da fábula não surge outro esquema, talvez porque a inexistência da fábula não aconteça enquanto proposta, mas, intuo, esteja como efeito colateral da ineficiência formal e do estilo que explicitamente impõe sua lógica. O elenco e a direção eclipsaram a dramaturgia na tentativa de oferecer algo maduro ao público, isto conseguem e eu lhes agradeço imensamente. O cenário é marcante, mas nem ele é capaz de situar tantas palavras. E as palavras gostariam de ser imagens, mas, por sua vez, as imagens que as palavras produzem são frangalhos de ideias românticas, pasteurizadas. As palavras são tão cobradas, e das palavras a dramaturgia esperou tanto. As palavras ficaram em cena, viveram em coma, foram presenças caladas, são objetos inúteis aos arcos, às viradas. O tartamudeio temático cria um panorama de dramas inválidos, então surge um inferno, um louco, um hospício em forma de conjunto de apartamentos. Duvido que estejamos diante de um trabalho sobre a solidão, duvido que estejamos discutindo as metrópoles, parecemos tocar apenas a pretensão do texto. O público ficou do lado de fora das ideias. E as grades são as palavras. E tudo isso parece apenas uma fuga, um triste e ingênuo ponto de vista que, surgido de um eu-lírico deprimido, capaz de medir o mundo apenas com a régua de seu descompasso, numa tentativa de tornar ideológica sua solidão, busca arregimentar público em volta de sua falência. Disse Caetano Veloso - "o mundo não é chato". Fica a excelente interpretação de Lavínia Pannunzio, a otimamente resolvida caracterização e interpretação de Éric Lenate (em substituição) e a já reconhecida e sempre fundamental boa carpintaria visual do mesmo Éric que também dirigiu o espetáculo. Mais um dos milhares de desacordos entre imagens e discursos, elencos e discursos, sínteses visuais e discursos , à que o teatro brasileiro deste começo de século está tão severamente sujeito.
foto Leekyung Kim