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Pagliacci

Cia. LaMínima

Texto de Luis Alberto de Abreu

Direção de Chico Pelúcio

Por mau exemplo dos veículos de comunicação, das políticas públicas e sociais que não parecem capazes de tornar a vida um projeto mais simples, mais prazeroso, mais sincero e nobre, não sem razão, o tempo presente tem batido forte nas estruturas daquilo que chamamos Tradição. E a Cia. LaMínima, numa viagem no tempo, impossível de precisarmos se do passado ao presente ou se do futuro ao presente, concebe uma obra de rara qualidade técnica (embora tradicional), de rara qualidade estrutural (embora clássica) e de raro conteúdo objetivo (embora não esteja posto em cena nada que não seja óbvio ao bom senso).Quero dizer que esse excelente espetáculo faz o público lembrar-se de algo que parece nublado por uma cortina de exclamações baratas, falidas e cansadas. LaMínima nega o tempo das revoluções medíocres.No breve espaço de tempo que compõe a peça, o público é o convidado especial de uma festa debruçada em fazer a segunda década deste milênio lembrar-se que o teatro pode escapar de labirintos intelectuais e de emoções baratas, banais. As palavras de ordem que buscam depor as tradições de forma não dialética e sem analisar o motivo de existir uma e outra tradição, em sua cegueira, exercem papel quase sempre irresponsável.A Cia. LaMínima, não sem coragem, coloca em cena um teatro sem artifícios do pop e nem por isso abstém-se do seu dever, por habitar o espaço que habita (SESI-FIESP), de produzir uma cultura de massa que elabore eixos críticos e que instrumentalize e impulsione o público ao pensamento.Insistindo em recursos do passado, a companhia, sem passar pela grosseria didática, faz o encenador contemporâneo lembrar-se de dados fundamentais na constituição de uma obra de arte capaz de fazer despertar no povo uma catarse puro sangue. A dança, a música tocada, o canto, a poesia, a tragédia e o humor, a mentira, o quiproquó, as viradas no enredo e as personagens desastradas, sonhadoras, apaixonadas, levianas, pueris, cruéis, companheiras, confidentes, inconsequentes... Tudo isto faz nascer no palco uma nostalgia válida e urgente.Tudo isto ainda vale no teatro! Será que o teatro deverá lembrar-se do circo, ou será que a arte dramática deveria não mais negar estes procedimentos que unem as duas artes e são de valiosa importância para que a função do teatro não se perca?Que a Cia. LaMínima oriente aqueles que a cada montagem depredam os valores centrais das obras de arte. Entretanto, engana-se aquele que intuir que um objeto tradicional não pode vir a inventar algo. Inclusive, talvez esteja aqui uma pista para desvendarmos os mistérios da montagem. Um drama circense recheado de boas entradas da palhaçaria clássica, colocando em cheque questões como o patriarcado, a perversão mediada pela vaidade e pelo poder e ainda concluindo a obra com uma revisão de seu próprio caráter melodramático, segundo um enredo de meta-teatro-épico, tenho certeza, não está aqui para manter qualquer tradição que não esteja em favor do humano de forma inclusiva e jamais excludente.Montagem excelente com texto singular, elenco equiparado em sua altíssima qualidade, música bem administrada dentro da eficiente e bem ritmada direção, cenário eficiente e belo, figurinos altamente narrativos e rendados por absoluto bom gosto. Fica a torcida para que o governo brasileiro compre um teatro e fomente, ao lado de Luís Antônio-Gabriel (Cia. Mungunzá), de A Mandrágora (Grupo Tapa), de Comunicação para uma Academia, (Club Noir), e de Bacantes (Teat(r)o Ofícina), também esta montagem.

foto Paulo Barbuto

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