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LOUCA PELO CHEIRO DE MAR

de André Masseno

colaboração Tuca Pinheiro

Algumas conclusões não são fáceis e demandam coragem e espera. Torná-las imagens, sem que se firmem discursos unilaterais ou dogmáticos, mais ainda. O fato é que a estreia de Louca pelo cheiro de mar, de André Masseno ainda irá crescer muito como experimento, e por dois motivos: primeiro, por evidentemente ser um espetáculo que exige do performer um convívio complexo que só surgirá com tempo, quando então ritmos e estrutura estão tão desgastados pelo convívio a ponto de produzirem uma saborosa e fundamental inconsciência; segundo, porque aquilo que aborda, nosso país e nossas idiossincrasias viciadas e fugidias, esfacela-se cada dia mais, e aquilo que no espetáculo se assume como falência civilizatória ficará mais e mais urgente em ser exposto em suas novas miligramas reveladas. Por ser um mergulho nessa falência, o espetáculo é também um grito de amor ao que se perde. Grita por um nacionalismo que supere as caricaturas já estruturas nas esferas comportamentais e culturais. Por conseguinte, sua dor é aquela das paixões esquecidas, ignoradas, e nesse caso é o todo quem ignora as partes, é o país, e é também o próprio brasileiro ao se ignorar como face do inteiro, enquanto se limita por conveniência ao alienada de uma felicidade fabricada, a desejos fajutos, às festividades inexistentes porém incessantemente exibidas como reais. Como tem sido, também esse espetáculo de André é sujo, imundo, incômodo, deslocado do correto, para muitos nojento. E nem mesmo o chão limpo em tecido luxuoso, antes mergulhado em cerveja, é capaz de recuperar a tranquilidade estética e sensorial de quem assiste. É impossível limpar a sujeira com mais sujeira. Assim como é impossível continuarmos no que se transformou o Brasil sendo nós mesmos. André explode sem dó nossas máscaras de tradição e ilusão, e ergue uma performance doída e provocativa. Não é fácil gostar do que é apresentado. A não pelos espectadores cuja desilusão sobre a atualidade seja o viés crítico capaz de traduzir a si mesmo como parte da falência desse projeto de utopia. Do contrário parecerá uma imensa ofensa ao que tanto idealizou-se por aqui. A ofensa existe, é verdade, de uma maneira ou outra. Mas é nossa. André apenas a dança. E escolher dançá-la é de uma ousadia especial e necessária ao hoje.

Fotos: Annelize Tozetto

>> A revista Antro Positivo viajou a convite do Festival de Curitiba.

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