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OLYMPIA e O QUE PODEMOS DIZER DO PIERRE

de Vera Mantero

EDois espetáculos. Ou duas partes de um mesmo? Vera Mantero vem construindo um percurso por festivais importantes, então, obviamente, era aguardada com certa curiosidade por todos. O que, na verdade, não é bom. Expectativas nunca oferecem o melhor meio ao encontro com artistas e obras. E essa reunião de pedaços ou de reunião comprova bem isso. O primeiro a ser apresentado, Olympia inicia de modo instigante. O corpo aparentemente frágil arrastando a cama em uma diagonal de luz parece suspender o tempo e tornar a mulher em cena o que de mais solitário existe. O percurso poderia durar horas e difilmente nos cansaríamos de assistir a construção narrativa desse corpo em esgotamento e transformação. Contudo, o que se bastaria é somente um momento. A cama estaciona, a mulher a ocupa, e ali passa a ser alguém, a personagem que dá título à icônica pintura de Édouard Manet. Perde assim, imediatamente, a potência inicial. Por que ser literal? Por que o humor e o trocadilho? O gesto que não se resolve, o corpo que escorrega, a cama que não comporta e a leitura de Asfixiante Cultura”, de Jean Dubuffet. Nele, os rascunhos do que Dubuffet denominou por Arte Bruta são elencados em forma de manifesto. Diz respeito aos que são apartados da sociedade e da cultura, como loucos, internados, prisioneiros... A mulher na pintura é tudo, menos isso. Então é somente ironia mesmo, mero trocadilho previsível pelo viés da oposição. Tudo se limita a ser tão pouco que parece mesmo anedota de programas infantis. Comentar é realmente suficiente à arte? Bom, muitos espetáculos se apropriam dessa estratégia. Sinceramente, não me parece convincente, a não ser que o comentário supere o verniz do estereótipo da arte contemporânea e alcance uma surpreendente capacidade de ser inovador. Está longe de ser assim. E o belo início se diminui ao ser revelado apenas como uma boa estratégia para provocar impacto rumo a lugar algum. Intervalo. Há o segundo trabalho ou parte, O que podemos dizer do Pierre. Vera retorna ao palco vazio tendo por companhia um vídeo no qual Deleuze comenta Espinoza. Ela constrói uma sequência de movimentos que buscam trabalhar com os espaços vazios entre ela e o entorno. Há nisso sua tradução em uma espécie de diálogo aos filósofos, mas é tão pouco aprofundado que gesto e vídeo competem ao olhar, de modo a não permitirem ao espectador mergulhar profundamente em nenhum dos dois. Perdem-se os argumentos de Deleuze, as proposições de Espinoza e a dança em si. E nada sobra a quem assiste, apenas a enfadonha condição de espera pelo fim. Se eram partes ou dois espetáculos é impossível definir. Nada se fixa, salvo o nome de Vera, como se fosse obrigatório aplaudir a grife. Todavia, isso não é sua culpa. É consequência de um movimento ainda insistente na arte que tem levado a todos a assumir como relevante qualquer coisa que possa minimamente parecer inteligente, mesmo que essa inteligência tenha produzido como resultante algo banal e básico. Faz parte da cena atual o convívio com carimbos e estereótipos. Ou sempre fez. Sei la.

Fotos: Leonardo Lima

>> A revista Antro Positivo viajou a convite do Festival de Curitiba.

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