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PARA QUE O CÉU NÃO CAIA

direção: Lia Rodrigues

foto Sammi Landweer

Inevitável não levantar questões estéticas, mas principalmente éticas de “Para que o céu não caia” da Lia Rodrigues Cia. de Danças. Nele, um é sempre bando, a força está no coletivo. Mesmo com coreografias em uníssono, a individualidade se destaca dentro do grupo. A unidade não surge pelo cumprimento de uma forma, e sim pela manutenção de energia. Estão ali juntos, pisando no mesmo chão. Por isso mesmo fica evidente a diferença de quando a aparição dos solos se dá quando um sai por ser “a hora de mostrar seu solo”, e de quando é atraído por uma força, como um ímã que singulariza aquela potência para fora do coletivo. Quando este estado se mantém, dentro de uma coreografia declaradamente marcada, a dança acontece naquilo que escapa. Inspirado pelo livro "A queda do céu" do índio Yanomami Davi Copenawa, a primeira questão que urge é acerca da apropriação cultural, e quais as consequências de uma coreógrafa branca criar uma obra inspirada em um livro tão engajado quanto este, escrito pelo próprio xamã. Tive o privilégio de escutar a fala do próprio autor e perguntei se a peça o representava. Em tempos onde perdemos a sensibilidade, abro mão da minha análise racional e priorizo seu relato ao assistir à peça: “É muito forte. É forte para vocês ouvirem. É forte para fazer vocês acordarem. Eles imitam a natureza, o grito dela. A árvore chora quando é cortada. A gente chora quando matam a natureza. Me representa. Representa o nosso grito.” Na maior parte do tempo, os 9 bailarinos vibram o chão com seus pés. Um só calcanhar soa pouco, precisamos ser tropa para reivindicar todas essas lutas juntos. Mais do que nunca, precisamos de ossos largos, toneladas de calcanhares, cascos, patas. Estamos testemunhando a Secretaria de Cultura desmontando o fomento à dança, e sobretudo, congelando a (já pífia) verba da cultura. Cultura é direito, fomento é lei. E se não houver diálogo, o céu de todos nós vai cair. Para que o céu não caia é preciso fazer o chão tremer. Dança é política. E deve voltar a ser perigosa.

(PATRICIA BERGANTYN)

Todos em pé. Sinto o cheiro de café, que é sinônimo de aconchego para mim, mas me sinto um pouco desconfortável. Alguns sentam. Outros tantos optam por ficar em pé. Penumbra. As figuras entram e toda a encenação se dá em amálgama com o público. Silêncio. Os movimentos são coordenados. Os corpos vão se tingindo de preto, branco, vermelho. O ritual que se segue e se repete dá a exata dimensão de que se trata da natureza em estado bruto. E nesse sentido deixam fluir as emoções, também em estado bruto. Sons guturais, gemidos que vão se transformando em lamento. Arrepio. Sinto medo, mas estou fascinada. Essa forma de subverter o significado das nossas emoções nos tira da zona de conforto. Uma roda se forma com uma afetação excessiva. Parece que vão se perder, mas logo se encontram. Em uma formação tribal, seguem com os movimentos ritualísticos. O corpo é instrumento, dá o tom, o ritmo. Muitos corpos se tornam um. Em forma, em representação e em força. Se movimentam como num vórtice catártico. As luzes, embora estáticas, parecem dançar. Seguem para o ritual final e fica comprovado que o clichê existe por ser a verdade: a força da imagem torna absolutamente desnecessária a comunicação verbal.

(MARIA TERESA CRUZ)

foto Sammi Landweer

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