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TÃO POUCO TEMPO

direção: Rabih Mroué

foto Jeva Griskjane

Governos criam facções. Ficções. E estórias. Histórias. Sem a preocupação verossímil, exceto em queima de arquivo. Mas há uma memória que se queima em cada troca de bandeira, estátua ou nome de praça. Uma memória que se dilui como fotografia de tinta barata, tinta imediata, tinta de calor da agora popular (acento opcional) que grita e repete a manchete. Recuperar e contestar a história, em especial a revisão de mártires, nacionalismo e ideia de nação (e o que é uma nação?) mostra ser uma busca de momento, ou Memento, empanada de contradições absurdas, justificáveis apenas enquanto construção de uma narrativa que interessa. Bem, nós sabemos a quem interessa. Os escritores anônimos de gravatas ou turbantes reais, torcidas aqui ou ali por mortos vivos - e estes, se diz, distorcidos pelos vivos mortos. Obrigado, Síria. Obrigado, Brasil.

(CLAUCIO ANDRÉ)

A imagem construída é quase sempre - senão sempre - muito maior do que a imagem real. E, nesse caso, o maior pode adquirir contornos negativos ou positivos. O fato é que a imagem é falácia. É enganadora. É criação. Como manter um significado que foi criado a partir de uma ideia daquilo que ele deveria ser, quando ele se esvazia de sentido bem diante dos seus olhos? A questão, aqui, é a postura que se prefere adotar diante da simbologia: procurar ver o que está além da imagem - que pode ser, inclusive, a ausência dela, uma papel fotográfico em branco - ou assumir como verdade o significado, que o tempo fez com que determinada imagem adquirisse? O passar do tempo torna qualquer tentativa de registro fiel uma bobagem. Uma mentira. O registro se esvai promovendo o retorno da Tábula Rasa que espera, para que novos signos sejam criados, ainda que a partir das mesmas memórias. O que um dia foi pode deixar de ser por um descuido da memória. A ausência preenche de sentido aquilo que precisa urgentemente encontrar um novo significado para continuar existindo. O mito é a desfaçatez da realidade. A atriz em cena apenas reporta a história que convencionou ser crível.

(MARIA TERESA CRUZ)

Enquanto a história caminha por décadas, em desencadeamentos inesperados e por vezes irônicos e ridículos; as fotos mergulhadas no recipiente gradativamente desaparecem. Uma segue adiante e se inicia como ficção. Outra, retrocede ao desaparecimento e são realidades pessoais. Ficcionalizar a memória ao construir possibilidades de passado, contrapondo a experiência do abandono do passado frente a um presente que o dissolve é o paradoxo que torna o espetáculo algo mais do que meramente um jogo de estratégias. Por ser contado, por ser através de alguém, o documental é sobretudo a dimensão daquela que narra, suas escolhas e suas maneiras. O que não é simples, e a qualidade da escrita de Rabih Mroué de fato impressiona em beleza e capacidade de construir imagens ao espectador. Todavia, é exatamente esse o espetáculo. Talvez por ser o limite do documental o teatro em si se contrai em fronteiras bem delimitadas para que não vá além do convívio com a história. Simples, portanto, sua maior qualidade ainda reside no contexto da cultura e sociedade a qual se refere. Se não estivéssemos tão distantes será que ainda assim seria tão instigante ao primeiro convívio? Uma dúvida e tanto.

(RUY FILHO)

foto Jeva Griskjane

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