Afinação I
Da Cia. São Jorge de Variedades SESC Ipiranga | SP | 10/01/17
Há duas perspectivas que me interessam cada vez mais em um espetáculo: aquela que me confronta intelectualmente sem me submeter a uma posição inferior, respeitando minha presença como alguém real e capaz de dialogar; aquela que me leva ao silêncio pela experiência poética traduzida na soma entre estética e o olhar sobre o contemporâneo escondida no silêncio entre as palavras ditas. Cada vez mais raras, ambas podem se cruzar, se somar, se anular de modo criativo e inesperado trazendo não necessariamente uma novidade, e sim a pessoalidade de quem as cria ou recria.
Hoje foi uma noite voltada à primeira. O modo como Georgette Faddel institui liberdade à reflexão crítica sobre quem somos e aonde somos é de uma urgência reveladora, tanto ao instante quanto ao espectador. Justifica estar na plateia por nos tornar real, por querer de nós a capacidade de nos fazer vivos, pulsantes, concordantes, discordantes, duvidosos. Justifica ser teatro pela grandeza de ser ela uma atriz que sabe olhar aos olhos e dizer, de dizer unindo-se ao seu público, de assumir o palco como verbo e ter no verbo o sonho e a ilusão das possibilidades transformadoras possíveis apenas às artes.
A estreia de Afinação I, espetáculo que assina criação, direção e atuação, e ainda sendo da Cia. São Jorge de Variedade, é, portanto, uma necessidade e não somente outro movimento na cena paulistana. É como cordas de um arco de celso que se arrebentam pelas paixões da atriz que se arrebenta em risco como poucas são capazes. Apenas assista-o, assista-a. E deixe seu pensamento se tornar sentimento, sobretudo sobre tuas tão valiosas certezas. Georgette te levará a um passeio sem volta à vontade de pensar sobre tudo. E isso é urgente. foto de Patrícia Cividanes