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Décima primeira peça


Terminada peça no Teatro São Luiz corremos ao metrô. Era preciso atravessar parte da cidade e chegar ao Teatro Maria Matos para assistir pouco tempo depois outro espetáculo na programação do Alkantara Festival. Pra nossa sorte, o metrô estava a poucos quarteirões de nós. Tudo certo. Com o bilhete comprado na chegada para durar a semana, não perdemos tempo. Saímos de um bairro com os pequenos edifícios típicos, casebres históricos, ruas apertadas e varais nas grades das janelas para outro bem diferente, mais próximo ao que entendemos por uma metrópole e suas avenidas largas, edifícios quadrados envidraçados e quase sem estilos, modernos ao que se parece igual em qualquer lugar do mundo, carros velozes e pressa. A transformação também precisava ocorrer em nós. A peça anterior, da brasileira Chris Jatahy é íntima e melancólica; a do argentino Federico León é irônica e, no bom termo da palavra, propositadamente patética.

Las Ideas trabalha a perspectiva sobre o que é real ou não enquanto dois atores, León, inclusive, discutem a criação de um espetáculo teatral mais conceitual. Partem da obra de uma artista com deficiência mental que transforma animais em outro, vestindo-lhes roupas-disfarces, tornando o cachorro ovelha, por exemplo. O estímulo parece ser somente um aviso sobre os interesses do próprio espetáculo. Ao final, se descobrirá que não. Ou sim. Ao trazer novamente a atriz, que não se sabe se é realmente atriz, como criadora da peça qual assistimos até então. Todo o mecanismo de dúvida é confuso e tenta não construir os argumentos de modo preciso, para que sempre se estabeleça o dilema entre o real e ficcional. Fumar maconha em um espetáculo não pode, diz um a outro no início, é preciso trocar por algo que pareça. Mas se algo parecido poderá, então por que não fumar a verdadeira, visto que as pessoas vão achar não ser mesmo, dada a convenção do teatro de apenas parecer? Os minutos iniciais acompanham os dois fumando um cigarro de... Alguém é capaz de afirmar? Ou negar? O espetáculo ganha camadas ainda mais metateatrais ao ser gravado e retransmitido em cena para que eles assistam partes, enquanto se regravam. Na potência da provocação está a premissa de como as ideias surgem à arte e ao artista, o quanto nelas há de casualidade e descoberta, de manipulações e situações forjadas para gerar descobertas nem sempre genuínas. Diverte, faz rir, ironiza o público e principalmente o artista que assiste no lugar de espectador, se é que consegue ser espectador e não apenas um artista deslocado ao lugar do outro. Federico León não teme provocar. E nem precisa para isso fazer algo violento sobre o outro, apenas mostrar o quanto de ridículo há no artista e o quanto é fundamental que sejamos livres o suficiente para escolhermos ridicularmente o sermos em um mundo de aparência. É sempre impressionante o quanto os argentinos são interessante no teatro. E o ator Juliián Tello, que divide a cena com León, torna tudo ainda melhor de assistir. Foto: Bea Borges

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