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Quarta peça


Ao passarmos pela pequena porta, a sensação era de que seria uma sala pequena, improvisada, um canto por ali. Esqueça. Não existem cantos. Tratava-se de um imenso galpão disponível às montagens alternativas, no qual se pode estruturar a plateia como bem quiser. Como demoramos a entrar, pois foi pedido para deixarmos de fora mochilas e casacos grandes, já não havia cadeiras livres nas fileiras montadas. Ficamos em pé mesmo. Nós e muitos outros. Por sorte. O quarteto de atores começa a cantar em nossa frente. Não era apenas um canto conjunto, mas em três vozes, três tons, tendo a quarta, a mais grave masculina, apenas como alicerce às demais. Parecia uma melodia antiga alemã. Como saber? Enfim, somos convidados a nos acomodar em volta das mesas no centro da cena ou na arquibancada ao fundo. Ainda bem, pensei. Nem bem começa a peça e desconfio do cenário. Patrícia, as mesas, como estão, parecem formar a primeira parte da suástica nazista. Em seguida, os atores começam lendo a troca de cartas entre uma atriz e um diretor, quando de repente Hitler começa a estrutura o Nacional Socialismo para se tornar o que se tornou. Estávamos, então, na década de 30 berlinense. A música era mesmo o que eu imaginava ser. As canções retornam de tempos em tempos. Recebemos a partitura, mas é evidente que, apesar do convite, todos ali estavam constrangidos de cantar as canções nacionais daquele tempo. A provocação é forte e deixa o ar pesado. O espetáculo, Stolpersteine Staatstheater, segue relendo documentos, recriando a história, movendo as mesas. O passado nazista é incessantemente assunto por aqui entre os artistas. É interessante perceber o quanto não querem esconder nada, esquecer-se de nada. Todos os detalhes são fundamentais ao amanhã. Duas atrizes incríveis, dois bons atores. Quatro excepcionais cantores. Uma dramaturgia bem costurada em pesquisa e naturalidade. Deixamos a sala interessados em conhecer mais dos trabalhos e pesquisas da companhia. Foto: Rob Moonen

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