

Esta peça não é conhecida. Nem mesmo pelos dramaturgos que a escrevem. A partir de um inesperado estímulo imagético subjetivo, em fotografia ou vídeo, cada um continua sua escritura direcionando a narrativa à próxima cena. Entendemos que criar uma peça é também lidar com tudo aquilo que a inscreve e não apenas com o que nela pode ser escrito. Intercalando os dramaturgos convidados, a página será atualizada duas vezes na semana, até que a peça chegue ao fim. Mas será mesmo que ela pode ter fim?
Realização ___ Antro Positivo
Idealização ___ Ruy Filho
Designer ___ Pat Cividanes
Dramaturgos___
DIEGO ARAMBURO _ Bolívia
RICARDO CABAÇA _ Portugal
RUY FILHO _ Brasil
SILVIA GOMEZ _ Brasil
CENA 01
RUY FILHO
Depois de entender não ser mais possível ficar onde estava, ele olhou para sua própria memória e se perguntou onde mais poderia se esconder. Não lembrou. Quis chorar, mas viu que isso seria óbvio demais. E rir não faria qualquer sentido.
Não sabia que estava sendo visto. Se soubesse, talvez fingisse algum tipo de elegância.
A iluminação de um final de tarde, especificamente durante o outono, quer induzi-lo a acreditar ser esse um momento decisivo, conquistando o inesperado de lhe construir uma percepção em branco e preto.
Ele anda como se durasse o movimento algumas horas. E percebe, ao fim, estar no mesmo lugar. Seria melhor se o chão corresse por ele.
Você está perdido?, ouve. E responde à pessoa distante o suficiente para não ser possível distinguir quem e como é: não, apenas esperando o momento certo de fugir. Eu também.
O que era estranho traz o primeiro impacto de realidade: ouve-se o último grito de um pássaro.
CENA 02
RICARDO CABAÇA
As pernas movem-se na direção da cabeça numa vertigem sonora.
As mãos nos joelhos anseiam por uma outra possibilidade e o círculo aparenta não ter fim. O corpo é uma sinalização suave dentro de uma direção concreta. Ficar tonto ou endoidecer é uma questão de perspetiva, nenhum elemento é suficientemente honesto para confirmar o nosso lugar.
O movimento não pode ser eterno porque a morte interrompe qualquer tentativa de existência, somos energia e combustão para o vindouro, nada será eterno porque essa é a medida que cabe nos nossos ossos.
Poderá haver um outro movimento?
⇏
Penso na hipótese de parar, bloquear os sons que me cercam. Quero bloquear os movimentos atrás de mim, o peso que me impele para baixo. Sou corpo só e nenhuma outra identidade me pertence, o peso dos outros é matéria morta, o meu movimento é sedentário. Preciso sair daqui, afastar-me do topo que é o lugar mais afastado da saída, o único confortável. Silêncio. Silêncio. Apenas silêncio.
A angústia do cego ou do surdo é para mim como um outro hemisfério, a metade de qualquer coisa. Felicidade? Como uma semente que cai no asfalto, a dois dedos da plantação.
Poderá haver um outro movimento?
⇍
O inferno precisa da greve humana, não devemos alimentar as jaulas da alienação, de todo o lado devem surgir novas palavras para criar novos conceitos.
Quero deixar de existir num inferno que tem uma pele estranhamente familiar. Onde está todo o passado?
Procuro a luz que enobrece a escuridão e sentir que essa definição absorve os meus músculos por um tempo. A necessidade de descobrir um pensamento semelhante seria uma jangada e o sangue na terra. Para onde caminho existe um trajeto subliminar de territórios, fronteiras que são corpos e uma chave no meio da noite pode ser sempre um outro início, sempre o mesmo início.
O inferno é uma metáfora da nossa cobardia, por isso precisa de ser extinto e ganhar um espaço concreto, erguer o Museu do Inferno para comprarmos lembranças e réplicas do nosso medo.
⇟
Pressinto uma alegoria no ar, uma manifestação de indiferença que é uma bandeira deste tempo.
Alguém ouve o mesmo que eu?
Atrás de mim, janelas abertas e rádio desligado, uma pessoa em silêncio olha em frente, ou por outro lado, olha para dentro, ou ainda, para um lugar indeterminado, ou por fim, para qualquer coisa que nunca foi. Poderá olhar sem estar a ver nada? O gesto de abrir e fechar os olhos é mecânico, um motor interior que é uma sabotagem, um gesto irrefletido que não significa nada.
Alguém ouve?
O murmúrio, o arrastar, talvez também o vento, um segredo que se solta, a eternidade do ruído.
O silêncio.
O silêncio é o único som perpétuo.
⥀
CENA 03
DIEGO ARAMBURO
Rumiar. Mascullar. Regurgitar la mañana.
Es que se me sale... eso, la vida.
Las horas de luz eran las que permitían una suerte de horizonte. Ficticio seguramente.Sabía que debía pararse de cara a la luz para disipar aquellos otros pensamientos. Debía abrir una ventana y luego otra y, si aún no resolvía con la segunda, era evidente que vendría lo que intentaba evitar. Y las ventanas abiertas, por decenas y centenas, atraerían el viento que se lo lleva todo, menos a Scarlett -pensaba.
Y no es que sea una persona negativa, para nada, apenas sería alguien que ve uno o dos titulares cada tanto. Sólo lo necesario para...
Y el escondrijo de siempre. El de los aromas. Las fragancias.
No se le puede mentir a un olor conocido.
Y entonces la verborragia.
Quizás luego de algo, de alguno, de uno o dos. Cuando el sonido externo ya no interrumpa, cuando tampoco comunique ya y cuando las voces resulten un colchón -no necesariamente mullido. Quizás luego de pensarlo profundamente. De sopesarlo. De mesurar su peso. Cuando se detenga la ebullición ésta y regrese a visitarme el silencio, ese extraño conocido de cada último instante de luz, de preferencia natural, a modo de ocaso. Quizás entonces logre que...
[ português ]
Ruminar. Resmungar. Regurgitar a manhã.
É que ela simplesmente sai de mim... isso, a vida.
As horas de luz eram aquelas que permitiam uma sorte de horizonte. Fictício, certamente.
Sabia que devia ficar de cara para a luz para dissipar esses outros pensamentos. Devia abrir uma janela e depois outra, e se ainda não resolvesse com a segunda, era óbvio que o que estava tentando evitar chegaria. E as janelas abertas, às dezenas e centenas, atrairiam o vento que leva tudo, exceto Scarlett -pensou.
E não é que seja uma pessoa negativa, de jeito nenhum; seria mais alguém que vê uma ou duas manchetes cada tanto. Apenas o necessário para ...
E o esconderijo habitual. Aquele dos aromas. As fragrâncias.
Não se pode mentir para um cheiro conhecido.
E então a verborragia.
Talvez depois de algo, de alguns, de um ou dois. Quando o som externo não mais interrompa, quando não comunique ja e quando as vozes sejam um colchão -não necessariamente macio. Talvez depois de uma profunda reflexão. De pesá-lo. De mesurar seu peso. Quando este brote pare e volte a me visitar o silêncio, aquele estranho conhecido de cada último instante de luz, de preferência natural, tipo o pôr do sol. Talvez então eu consiga..
CENA 04
SILVIA GOMEZ
Talvez eu consiga...
...compreender finalmente o valor do silêncio, quer dizer, voltar a ouvir as células – as minhas e as outras –, ouvir a noite na floresta, o rumor da areia da ilha onde nunca alguém pisou, o interior de uma montanha, ou melhor, todas essas coisas que acontecem e continuarão acontecendo a despeito de nós, como céu, terra, Scarlett.
Talvez. Mas desde que isso começou, todas as coisas guardadas no interior das coisas – células ou montanhas ou areia, não importa –, resolveram acordar.
Não, não estou pensando nisso, de maneira alguma, pelo contrário, estou muito bem, quer dizer, estou tentando, todos nós estamos, não é?
Todos nós estamos tentando não lembrar que Scarlett fará aniversário amanhã, todos nós estamos tentando não lembrar de seu nome quando a eletricidade acaba ou de seu rosto iluminado pela chama de uma vela. Também não lembrei de suas mãos
quando quis comentar com alguém a notícia das baleias –
“Scarlett, pelo primeiro verão em décadas, foi possível registrar a voz das baleias nas águas fundas do Sudeste do Alasca sem a perturbação dos barcos cheios de turistas mastigando coisas crocantes” – eu não disse.
Também não disse “às vezes, eu sonho com você, agora muito mais. Na verdade, são pesadelos”.
“Perdeu-se no silêncio? Não se pode mentir para ele, não é?”.
A figura difusa agora parecia mais próxima.
CENA 05
RUY FILHO


Scarlett não entendeu a raiva e ele não pretendia lhe explicar. Um após o outro, como se pudesse se desfazer da realidade com pequenos gestos de violência, todo um acervo de acontecimentos deixava de existir. A destruição não fazia sentido, diante a tranquilidade incomum
exposta do lado de fora. Sem pessoas nas ruas, sem carros acelerando e buzinas aleatórias, sem máquinas, vozes, ruídos. Sem pássaros. Enfim, o mundo parecia melhor. Não no quarto. A explosão lhe trouxera a feição de um animal. Outro dele mesmo ou nele mesmo. As coisas estavam confusa. E nada dava impressão de melhorar em poucos minutos. Era quanto tinham. O tempo corria contra os dois, atropelando desespero e calma com igual urgência. Ela sabia do perigo. Ele também, mas parecia preferir o pior. Interrompê-lo? Como? Ao apagar as luzes, um estrondo seco, duro, tão próximo de sua cabeça, que Scarlett tinha certeza ter sido atingida. Mexer-se não era uma possibilidade. Tampouco tinha coragem para reacender a luz. A chave em seu bolso poderia ser uma solução, se tivesse certeza onde estar a porta. Então arriscou: você... E guardou por um minuto, dois, dez, horas. Foi o sol escapando pelas frestas da janela apodrecida que lhe trouxe a manhã. Não





pensou mais em nada. Seu corpo violentado pela expectativa de ser atacado não tinha forças nem para impedir nem para acreditar. Scarlett apenas levantou e deu as duas


voltas na fechadura que livrariam a ambos. Acendeu a lâmpada. Sem ele, nem os jornais, e nem mesmo era ali o seu quarto. Também não havia porta. Não sabia quem eram aquelas pessoas, nem onde estava. Assistiu ao que lhe parecia um ritual primitivo e sem propósito. Então piscou os olhos. De volta ao quarto e ele. Piscou outra vez recuperando a multidão. E, após piscar de novo, eram somente ela e o pequeno pássaro, em algum lugar irreconhecível. Mesmo que inacreditavelmente real.

CENA 06
RICARDO CABAÇA
Scarlett estava num lugar desconhecido, só ela e o pássaro dentro do bolso. Depois do cantar do animal, ouviria uma língua que possivelmente não conhecia.
A música não lhe trouxe qualquer indicação de existência, mas de repente sentiu saudades de ouvir a sua língua. Na verdade, há muito que Scarlett não falava com ninguém, talvez por isso já não soubesse qual era a sua língua. Pensava em vários idiomas, mas sonhava todas as noites com o canto das baleias.
Naquele bar, levada pela música instrumental, ela leu a notícia de que as baleias voltaram a ser ouvidas no Alasca. Partilhou essa notícia com o pássaro que respirava no seu bolso, pequeno príncipe aconchegado nos aromas do passado. Scarlett guardava tudo nos bolsos, não havia espaço para as suas mãos.
Num instante melancólico, Scarlett sentiu uma profunda tristeza por ninguém lhe ter falado daquelas baleias.
Ali não havia multidão que pudesse assustar Scarlett, mas o medo de não saber falar para além do pensamento levava-a a querer conversar. Por vezes levava o bolso à boca e procurava sussurrar os seus sonhos ao pássaro. Um cantar silenciado pela música, era tudo o que restava.
Antes de qualquer catástrofe, Scarlett conseguiu fugir para perto daquele palco, tinha a sensação que naquela noite conheceria alguém muito importante. Ou mesmo que nunca chegasse a conhecer outra pessoa, ter tido esse pressentimento já teria sido uma vontade extrema de rebeldia.
A música continuava a tocar e nenhuma voz geográfica aparecia como um mapa humano.
Por vezes, a confusão de idiomas no seu pensamento, levava Scarlett a roer as unhas, um gesto que ela abominava, mas que na verdade alimentava os seus solilóquios. O pássaro ocupava o espaço que poderia ser das mãos.
Procurou nos bolsos alguma chave de um carro, sem saber se tinha de facto um carro, não se lembrava como tinha chegado àquele lugar incerto. Nos bolsos não havia nenhuma chave.
Scarlett, como sempre, tinha vindo a pé e agora não tinha nenhuma certeza para onde ir.
Scarlett, como sempre, tinha saudades do seu futuro e a angústia do tempo que demorava até chegar era a chave necessária para parar e esperar por ele.
CENA 07
DIEGO ARAMBURO
Entre tanto, él no supo del bar surreal ni del pájaro en el bolso ni de los idiomas incomprensibles.
Él se encontró a sí mismo en la habitación en la que había otro de él o en él.
Y continuó aquel tumulto en la habitación en la que el miedo al silencio eterno borraba las piezas del mundo, o quizás lo hacía la violencia del ritual bullicioso.
Scarlett? –Retumbó en su cabeza herida por sonidos que golpeaban a pesar de la repentina ausencia de personas, máquinas y movimientos alrededor.
Y viendo que el ritual se había extinguido, decidió no moverse ni procurar nada.
Una pequeña ventana, por la que pudo obtener un poco de aire que respirar, le permitía ver la normalidad del mundo exterior superficialmente detenido, pero en el que las luces azules titilantes denunciaban presencias aisladas, alguna tras una persiana paranoide que tampoco se animaba a expresarse, otras con la ventana abierta y alguna lámpara delatora tímidamente encendida con pavor de afirmar su existencia huidiza.
El estruendoso silencio infernal vibraba pleno de ausencias.
Sobretodo la de Scarlett.
La luz nos pintaba de rojo, tengo certeza, ella estaba aquí. ¿Cierto? –Consultó al otro de sí o en sí.
Quizás es el golpe el que genera tal idea. –Fue la respuesta.
Pero la idea era una certeza que, de no obtener alguna suerte de confirmación, luego se podría poner en cuestión.
De pronto recordó la llave, pero no la puerta.
¿Tendré que salir por la ventana? –Se preguntó.
Tenemos que salir, tenemos que buscar a…
A…
¿Ella?
Pero la cabeza ya había comenzado su labor dupla.
No, puede ser peor; siempre que se va en busca de alguien, apenas unos minutos después, esa persona llega a ese lugar, y así es que ellos no se encuentran.
“Esa persona”, ¿qué persona?
Un zumbido agudo en su oído estalló en tres tonalidades a la vez, conformando un grito que podía asemejarse al canto de una ballena.
¿Y salir de este lugar para ir hacia ese afuera donde todo parece borrarse en medio de ese silencio hecho de voces sin cuerpo?
Salir…
Tenía que decidirlo.
Poner los pies en ese mundo extraño que hace tanto no pisaba. Explorarlo.
Sonaba a una aventura a ser vivida. A solas.
¿A solas?
[ português ]
Entretanto, ele não sabia sobre o bar surreal ou o pássaro no bolso ou as línguas incompreensíveis.
Ele se encontrou naquele quarto, onde havia outro dele ou nele.
E aquele tumulto continuou no quarto onde o medo do silêncio eterno apagava as peças do mundo, ou talvez era a violência do ritual barulhento que fazia isso.
Scarlett? –Retumbou na cabeça ferida dele, por sons que a atingiam, apesar da súbita ausência de pessoas, máquinas e movimentos ao seu redor.
E, vendo que o ritual havia sido extinto, ele decidiu não se mexer nem procurar nada.
Uma pequena janela, através da qual ele conseguiu obter um pouco de ar para respirar, permitia que ele visse a normalidade do mundo exterior, superficialmente parado, mas onde as luzes azuis titilantes denunciavam presenças isoladas, algumas atrás de uma cortina paranóica que também não ousava se expressar, outras com a janela aberta e algum abajur delator timidamente aceso com medo de afirmar sua existência fugaz.
O silêncio infernal estrondoso vibrava cheio de ausências.
Especialmente da Scarlett.
A luz nos pintava de vermelho, tenho certeza, ela estava aqui. Não é? – Ele consultou ao outro dele ou nele.
Talvez seja o golpe que gera essa ideia. – Foi a resposta.
Mas a ideia era uma certeza que, se não obtivesse algum tipo de confirmação, poderia ser posta em dúvida.
De repente, lembrou-se da chave, mas não da porta.
Terei que sair pela janela? – Se pergunto.
Temos que sair, temos que procurar à...
À…
Ela?
Mas a cabeça já havia começado seu trabalho duplo.
Não, pode ser pior; sempre que você procura alguém, apenas alguns minutos depois, essa pessoa chega a esse local, e assim é que eles não se encontram.
"Essa pessoa", qual pessoa?
Um zumbido agudo em seu ouvido irrompeu em três tons ao mesmo tempo, formando um grito que poderia se assemelhar ao canto de uma baleia.
E sair deste lugar para ir àquele fora, onde tudo parece ser apagado no meio daquele silêncio feito de vozes sem corpo?
Sair…
Eu tinha que decidir.
Por os pés naquele mundo estranho em que não pisava há tanto tempo. Explorar aquele mundo.
Parecia uma aventura a ser vivida.
A sós.
A sós?
CENA 8
SILVIA GOMEZ
A música daquele bar sem a presença de um rosto familiar tornou-se subitamente uma espécie de opressão. Scarlett procurou o banheiro. Pelo menos, poderia ver algo humano no espelho, onde então viu a frase escrita com batom: “Estou viva”. Agora entendia como era sentir-se sem um lugar para voltar ou sem roupas para trocar ou sem alguém para contar sobre sua nova e extraordinária habilidade de acomodar um pássaro como quem guarda um segredo e toda sorte de outras grandes e pequenas coisas nos bolsos: a risada da irmã, rolos e agulhas de tricô, uma garrafa de água, um poema de Conceição Evaristo, música, o gesto sobre seu cabelo daquelas mãos, sorvete, a memória da casa, pasta de dente ultrafresh, um grito abafado, fósforos, louca insana esperança.
Ou pela primeira vez entendeu como era não ter alguém para contar – mas isso era melhor guardar para si, mesmo que encontrasse a quem dizer – sobre a repentina capacidade de estar em um lugar sem saber como tinha chegado até ele. Não que pudesse controlar isso nem tivesse certeza de que estava acontecendo. Piscou novamente, com um quase-medo-híbrido-de-excitação de onde veria seu corpo ao abrir os olhos.
Estava agora em movimento.
Dentro de um trem.
O sol se despedia da paisagem que era como ela a partir daquele momento para si mesma: desconhecida.
Pensou NELE quando o pássaro no bolso reclamou afago.
Para onde estava indo?
CENA 9
RUY FILHO
Oi.
Como foi a viagem?
Deve parecer estranho não ter te esperado, mas é melhor assim. Não faz sentido eu estar aqui. Assim como não vejo sentido você ter ido embora. Nada disso tem importância agora. Talvez tenha sido mesmo o melhor, depois do que aconteceu.
A chave da casa está escondida no lugar de sempre. Você se lembra, não é? Bom, vai ser divertido se não.
Fiquei pensando na nossa última conversa. Dois anos é muito tempo para se concluir algo. As ideias mudam de lugar sem parar e as respostas acabam se confundindo. Aquele momento foi tão assustador e triste. Só que o que conclui é pior: foi perigoso.
Alguém poderia ter nos ouvido. Alguém poderia ter gravado.
E se descobrissem? Você consegue imaginar as consequências de tudo se tornar público?
Eu não encontrei a arma. Sumiu. E se não está com você, então, ele deve ter levado.
Outro dia ouvi tiros. Não deviam ser de verdade. Os pássaros se assustam sempre com as caçadas. Ouvi dentro de mim. Como se tentassem atingir algo escondido. Só você sabe o que foi escondido. Pensei se não estaria tentando matar a você.
Gostei de sentir essa vontade.
Por isso não te esperei. Acho que você entenderá.
Vou aproveitar você estar aqui e ir até sua casa deixar a chave e o que me pediu. Pode ficar. Não quero ter qualquer lembrança daquele dia. Na verdade, não quero me lembrar de mais nada. Apenas deixar sumir as coisas e desaparecer junto à falta de memória, pelas quais me reconhecia.
Pensei que, se eu deixar de lembrar, talvez possa ser outro.
Teria sido mais simples se não fossemos quem somos. Eu não te escolhi, nem você a mim, e passo o dia pensando o quanto em mim é também seu.
Nunca gostei de ter família, você sabe.
Ele vem de tempos em tempos. Não entra, fica por horas olhando a porta, às vezes grita até cansar. Não se assuste. Vá para o quarto e se tranque. Talvez ele esteja mesmo com a arma. Talvez ele grite e desapareça. Ele não precisa saber de você. Não tente nada, por favor.
Apesar de preferir você longe, seria horrível encontrar seu corpo no meio da cozinha.
Deixei um pão no forno. Tem cerveja na geladeira e, antes que me escreva uma carta imensa com sermões, saiba terem sido compradas para você. Eu não voltei a beber. Essa foi a única coisa boa que aconteceu a partir daquele nosso último momento.
Tem também uma geléia horrível deixada aqui. Acho que foi a velha da casa do final da rua. Provavelmente está vencida.
Os teus pássaros morreram.
Espero que esteja bem.
E que nunca mais volte.
CENA 10
RICARDO CABAÇA
Hesitei muito antes de abrir a carta.
Na noite passada tive um sonho estranho e não consigo distinguir o que realmente se passava nele: pessoas voavam ou uma grua que chegava centenas de metros acima do chão.
Pensei também que pudesse ser a realidade, dois homens limpavam que as janelas do prédio onde trabalho. Mas estou de licença.
No frigorífico encontro algumas cervejas. Hesito. Será que são minhas? Bom, estão na minha casa. Abro a primeira lata, a tua carta continua por abrir, e enquanto bebo a cerveja de repente sinto uma ligação entre o meu gesto de beber e a tua carta, ou alguma coisa que poderás ter escrito.
Abro a segunda lata e continuo a ver os homens do meu sonho. Agora ouço alguma coisa e não entendo nada, uma língua exótica. Existe alguma coisa de especial nesta história, aqueles homens não são comuns.
Estou muito cansada da viagem.
Vejo que os meus pássaros morreram. Eu morri com eles, abandonei-os à sua sorte. Eu devia ter morrido com eles. Não me sinto abalada pela melancolia, antes sou invadida por um vazio que me consola. Esta sensação dá-me estranhamente o conforto de que agora necessito.
Abro a terceira cerveja e meto música para me distrair, a tua carta, em cima da bancada, pesa uma tonelada e eu sei que devo abri-la, respeitar-te.
Os pássaros caídos dentro da gaiola, homens que se erguem no céu, eu que me afundo no sofá.
Provo uma geleia terrível, cuspo para a pia. No chão vejo uma marca, uma fenda. Alguém andou a arrastar um móvel. Seria apenas isso?
Começo a ficar tonta, sei que esta é a minha casa, mas sinto-me a ser expulsa dela, aquela marca no chão e a tua carta por abrir.
Prometo a mim mesma que vou abrir a última cerveja e ler a tua carta.
Sento-me no sofá e digo Oi.
Devia ter lido cada uma das tuas palavras antes de ter bebido todas aquelas cervejas, sinto-me entorpecida o suficiente para adormecer no sofá. Eu vou ficar bem. Preciso descansar da viagem. A viagem. Eu vou voar um dia.
Alguém acaba de bater à porta. Não tive tempo de responder à tua carta. Pararam de bater.
Adormeço. Não sei durante quanto tempo, mas sou acordada por alguém que volta a bater à porta.
Hesito. Pela primeira vez estou com medo.
Grupo Cena 11 Cia. de dança em tele ensaio via Zoom / OBS
Edição e direção de vídeo: ALEJANDRO AHMED
CENA 11
GRUPO CENA 11 CIA. DE DANÇA
ruído narrativo
CENA 12
DIEGO ARAMBURO
clique no canto inferior direito do vídeo para ampliar e aumente o som.
CENA 13
SILVIA GOMEZ
“A pedra é obra de milênios”, alguém disse
Lá fora, contam-se números
Que não são números
Os telefones ainda funcionam, mas não lembro mais o meu
Ainda assim, alguém o tem na memória, pois ele toca
Sim?
“Você é capaz de escrever sobre isso?”
Não.
“Alguém precisa escrever sobre isso”.
Não.
(Como dizer a ele que as palavras não são suficientes, nunca serão?)
“É preciso que se escreva sobre isso, que isso fique registrado em algum lugar ainda que em uma carta escondida sob um degrau de pedra pisado por milênios na esperança de que seja encontrada no futuro, que alguém um dia a descubra e saiba, pois mesmo que a História tenha então sido contada por eles e seus degraus e seus territórios de destruição e massacre e indiferença e ruínas de monumentos erguidos em nome de suas partes íntimas, mesmo assim, uma pequena carta escrita à mão”
Eu sei.
“Gritará”.
Eu sei.
“Você é capaz de escrever sobre isso?”

E se você não fugisse?
Ele perguntou assim, sem rodeio?
Talvez. Não sei se me lembro certo.
Havia algo certo?
O pássaro.
Morto.
Não, ele estava bem.
Não te entendo.
Guardei comigo essa sensação de ser errado ele viver.
Então matou os meus.
Todos.
Você os deu.
Porque não os queria no nosso quarto.
Teu quarto.
Sempre o imaginei nosso.
Matou ele também.
Não.
Mas ele está morto, não está?
Está.
É o melhor, não é?
Talvez. Não sei se me lembro certo.
Havia algo possível?
O trem.
Fugir.
Não, apenas escapar.
Não te entendo.
Guardei escondida essa sensação de ser errado ele viver.
Largou os seus.
Alguns.
Então você os vendeu.
Porque eu precisava refazer o teu quarto.
Teu quarto.
Sempre a imaginei de volta.
Desistiu dele também.
Sim.
Mas ele está pronto, não está?
Está.
É um erro, não é?
Talvez. Não sei dizer ao certo.
Havia algo mais impossível?
Jazz.
Ou escrever.
Não, ou sim, apenas criar algo.
Não te entendo.
Guardei perdida a sensação de ser ridículo.
Mais do que eu.
Às vezes.
Então você tentou.
Porque eu precisava de outro quarto.
Apenas teu.
Sempre precisei de espaço.
Inventou isso também.
Sim. De certo modo.
Ou o tempo todo.
É medo, não é?
Talvez. Por não haver nada mais certo.
Houve algum momento possível?
Não.
Talvez não.
Apenas fugir.
Eu te entendo, meu irmão.
Odeio estar vivo.
Mais do que eu?
Às vezes.
Você imaginou?
Porque eu precisava matar alguém.
Qualquer alguém?
Mesmo que fossem pássaros.
Mesmo que fossem meus?
Mesmo que só fosse eles. Eu precisava matar alguém.
Ou destruir.
Você sabe que são as mesmas coisas.
E você?
Não me importo mais.
E você sabe o que você começou?
CENA 14
RUY FILHO
Foram duas semanas. Ele surgia sempre no mesmo momento. Parecia que a madrugada lhe era uma boa desculpa para enlouquecer. Sempre embriagado, nunca cheirando álcool. O transtorno era interno. Ele vivia bêbado dele mesmo. Você nunca foi com a gente atirar no meio da floresta. O sangue daqueles animais o fazia rir. Era uma felicidade monstruosa que não cabia só em seu corpo. Ele queria o meu. Eu era sua extensão. Queria meus olhos como quem precisava contemplar o horror com mais do que apenas dois. Até começar a apontar a arma também para mim. Primeiro comigo de costas. Depois sem nenhum disfarce. E ria. Muito. Eu só tinha oito anos. Você menos. Na noite em que você acordou com os gritos, não eram animais. Ou era. Ele, bêbado em seu esconderijo, tinha a arma virada para você dormindo. Gritei. Ele gritou. A violência se tornou em desespero. Tive a sensação de que naquele instante se viu como nunca tinha se preocupado em se ver. Ele gritou. Eu chorei. Você corria. Ele gritava. Eu corria. Queria abraça-lo, mas não dava mais. Ele me deu um último beijo na testa, entregou o revólver e saiu. Durante todos esses anos, surgiu nas madrugadas. Principalmente nas silenciosas. Foi impossível aguentar os silêncios. E eu agi. Sem a floresta não haveria mais os animais para ele. Você me entende, agora?
Menos ainda.


CENA 15
RICARDO CABAÇA
Eu precisava daquilo, matar era como amar com ciúmes. Eles não podiam viver e se alguém os tinha de matar, então que fosse eu a fazê-lo. E fui eu a maioria das vezes.
O sangue é algo tão belo e visceral que passei a sentir-lhe o cheiro ainda dentro dos corpos intactos, protegido pela pele sufocante. Alguma coisa tinha de escorrer, eu precisava de assistir ao fim da vida. Sou anti-criacionista. Sou o anticristo da vida.
Sim? Consegui ver ao longe o fumo que subia, a terra transformada numa gigantesca chaminé. Que imagem sublime, o privilégio da posição. Eu estava num lugar perfeito para matar, eles viriam ao meu encontro e eu só precisava de disparar as armas.
Eu gosto de matar porque tenho medo de ser morto. Não de morrer, isso não me assusta. Não tenho medo de ser morto, veria isso mais como uma humilhação. Nem suicídio nem homicídio. Eu vou morrer de doença natural. Morrer de velhice. Que sintomas serão esses?
Nem sempre fui assim.
Sou a favor da extinção.
Nem sempre fui assim.
No princípio eu era um homem bom, independentemente do que isso signifique, eu sentia-me um homem bom. E de súbito, os meus alvos passaram a ser outros, os animais não me satisfaziam mais.
Acho que nunca quis verdadeiramente matar os meus filhos, era apenas um jogo, um teste. Apontava a arma para ver se algum dia teria a coragem para matá-los.
Apontava-lhes a arma como se estivesse dentro de um barco, o meu braço subia e descia, eu perdia o horizonte, eu desequilibrava-me para cair na vida miserável que tinha. O que salvou os meus filhos foi o meu eterno desequilíbrio.
As minhas mãos andavam sempre ocupadas pelas armas e garrafas, não podia deixar nenhuma para trás, eu era um soldado permanente. A minha vida era uma vigília permanente porque todos se transformaram nos meus inimigos. A minha família era o meu principal inimigo.
Nunca mais estive com os meus filhos nem com a minha mulher, mas vigiei-os durante toda a vida. Agora lavo as mãos cheias de sangue.
Anos depois libertei a minha mulher e a minha filha.
CENA 16

DIEGO ARAMBURO

Eu sei que você odeia minha caligrafia, se você me mandar uma palavra que você não entende, eu te respondo.
CENA 17

RUY FILHO
FRANZ KAFKA.
CENA 18

RICARDO CABAÇA


CENA 19

DIEGO ARAMBURO

Tempo maldito.
Maldito tempo, Scarlett.
...
A peça que falta é o "quando".
(E acabei me-faltando eu. Também)
Maldição, Scarlett. Você fugiu com o outro de mim em mim, embora eu tenha me livrado dele quando ele ainda era ……… ?
Eu realmente não queria chegar a isto
Não queria
CENA 20 ( Final A)
DIEGO ARAMBURO
Y finalmente, volví a buscar en mi memoria y ya no me encontré allí.
Y quise llorar, pero eso no haría ningún sentido. Y yo lo sabía. Tampoco la elegancia haría sentido.
La muerte interrumpe cualquier intento de existencia.
Ya no era el cuerpo aquel sin identidad. Ese otro de mí en mí. Ya no era ese. Eso.
Ese/eso dejó de existir.
Había sido arrancado de mí definitivamente.
No. No de mí. De la existencia.
Y el silencio.
Silencio.
E finalmente, olhei novamente na minha memória e não estava mais lá.
E eu queria chorar, mas isso não faria sentido. E eu sabia. Nem a elegância faria sentido.
A morte interrompe qualquer tentativa de existência.
Eu não era mais aquele corpo sem identidade. Esse outro de mim em mim. Não era mais isso. Isso.
Isso/esse deixou de existir.
Foi arrancado de mim para sempre.
Não. Não de mim. Da existência.
E o silêncio.
Silêncio.

E intenté salir del infierno para recordar mi pasado.
Pero la llave no estaba más.
Quedaba sólo la cobardía.
Y quien dirigió su mirada hacia mí, no vio nada allí, donde yo estaba.
Vio sólo silencio.
Y el calor y la luz del lugar volvieron a bañar mi rostro.
Mi rostro en silencio y rodeado de silencio. El silencio de Scarlett ausente.
Mi ausencia.
Ella no estaba más en mí; ni el otro de mí en mí.
Hace tanto.
Pero me había quedado su olor.
Hace tanto.
A mí. Con el intento constante de no recordarla interrumpido siempre por el olor, el olor de las pesadillas, a quienes no se engaña, jamás.
Dónde habita este silencio.
No. No dónde.
Cuándo.
Esa era la pregunta.
Cierto.
Y recordé la huida.
¿Dónde huimos, Scarlett?
No huimos. Huiste. Huiste allí donde nos llevó la puerta que abrió la llave de mi bolso.
Al bar en el que había melancolía y sólo pájaros para escuchar mis susurros.
El bar de la rebeldía en el que mordía mis uñas. El bar en el que me puse a pensar en el futuro, pensamiento que te llevó exactamente ahí. Es decir, aquí.
Cierto.
No huimos.
Yo vine.
Tú no.
Vine a este lugar, años distante de donde estabas tú.
Sí. Este “infierno”.
Donde había que disparar.
Y matarme.
Matar tu recuerdo.
Sustituirlo por ese otro de mí en mí.
Del que tendrías que cuidarte en adelante.
En ese tiempo en el que te esperaría la llave.
La llave que yo no usaría más.
Hacía ti.
Y la explosión.
Sí. La explosión.
Y el final.
Exacto. El final.
La borrachera.
Eso. La borrachera.
La borrachera de ti, en ti.
Que te hizo volver a pensar en mí.
¿Fue eso lo que te convirtió en esto que eres ahora?
¿Qué eso?
Eso.
¿Fui yo?
¿Yo te convertí en eso?
Te das demasiada importancia.
Claro, sólo importas tú, y el otro de ti en ti.
Ese que no está más.
Yo tampoco.
¿No?
¿Te maté al final?
Simplemente me quedé allá.
Ese par de años un poco más allá.
¿No quieres venir conmigo?
¿Para acabar como el otro?
El otro.
El otro de mí en mí…
No. No voy.
Entiendo.
Claro.
No importa tanto al final.
Claro.
Sabes que igual no estoy más.
Hace tanto.
Y los chicos.
Hace tanto.
Sí. Hace tanto.
Y todo fue en realidad tan rápido.
Fue un transe. Un par de segundos apenas.
Y aún así fueron años.
¿Sabes?
Nunca podré decir con certeza si lo hice yo, o no, al final.
Yo sí puedo.
Yo estaba aquí.
Sí.
Y, además, quise disculparme.
Sí.
La cuestión es cuándo.
¿Cuándo pensé en eso?
Exacto.
Cuándo.
Pero eso no sirvió de nada, ¿no?
Sí.
Yo sé.
Sí.
Y la distancia mayor.
Más años.
Sí.
Sí.
Pero al final los uní.
A todos.
A ti, a ellos, a él.
A todos.
Sí.
Sí.
Y entonces me fui.
Sí.
Aquí.
Al silencio.
Sí, el silencio.
Si nadie.
Exacto. Sin nadie.
Por fin.
Sin ti.
Sobre todo, sin mí.
E tentei sair do inferno para me lembrar do meu passado.
Mas a chave não existia mais.
Apenas a covardia permanecia.
E quem dirigiu seu olhar para mim, não viu nada ali, onde eu estava.
Ele viu apenas silêncio.
E o calor e a luz do lugar banharam meu rosto novamente.
Meu rosto em silêncio e rodeado de silêncio. O silêncio de Scarlett ausente.
Minha ausência.
Ela não estava mais em mim; nem o outro de mim em mim.
Faz tanto tempo.
Mas seu cheiro tinha ficado.
Faz tanto tempo.
Em mim. Com a tentativa constante de não lembrar dela, sempre interrompida pelo cheiro, o cheiro dos pesadelos, aos que não se engana, nunca.
Onde este silêncio habita.
Não. Não onde.
Quando.
Essa era a questão.
Verdade.
E me lembrei da fugida.
Para onde fugimos, Scarlett?
Não fugimos. Você fugiu. Você fugiu para onde levou a porta que destrancou a chave do meu bolso.
Para o bar da melancolia onde apenas havia pássaros para ouvir meus sussurros.
O bar da rebeldia onde eu roía minhas unhas. O bar onde comecei a pensar no futuro, pensamento que te levou exatamente lá. Quer dizer, aqui.
Verdade.
Nós não fugimos.
Eu vim.
Você não.
Eu vim para este lugar, anos distante de onde você estava.
Sim. Este "inferno".
Onde havia que atirar.
E me matar.
Matar sua memória.
Substitui-o por aquele outro de mim em mim.
Daquele que você teria que se cuidar de agora em diante.
Naquela época em que a chave estaria esperando por você.
A chave que eu não usaria mais.
Para ir até você.
E a explosão.
Sim. A explosão.
E o fim.
Exato. O final.
A embriaguez.
Isso. A embriaguez.
A embriaguez de você, em você.
Isso te fez pensar em mim novamente.
Foi isso que fez de você o que você é agora?
O que é isso?
Isso.
Foi eu?
Eu transformei você nisso?
Você se dá muita importância.
É claro, só você importa, e o outro de você em você.
Aquele que não está mais.
Eu também não.
Não?
Matei você no final?
Eu só fiquei lá.
Esse par de anos lá.
Você não vem comigo?
Para acabar como o outro?
O outro.
O outro de mim em mim...
Eu não. Vou não.
Entendi.
É claro.
Não importa no final.
É claro.
Você sabe que igual eu não estou mais.
Faz tanto tempo.
E os meninos.
Faz tanto tempo.
Faz tanto tempo. Sim.
E tudo foi realmente tão rápido.
Foi um transe. Apenas alguns segundos.
E ainda assim foram anos.
Você sabe?
Nunca posso dizer com certeza se fiz isso ou não, no final.
Eu posso sim.
Eu estive aqui.
Isso.
Alias, eu quis me desculpar.
Isso.
A questão é quando.
Quando eu pensei nisso?
Exato.
Quando.
Mas isso não ajudou, não é?
Não.
Eu sei.
Não.
E quanto maior a distância.
Mais anos.
Isso.
Isso.
Mas no final eu os juntei.
A todos.
Você, eles, ele.
Todos. Sim.
Isso.
Isso.
E então eu fui embora.
Isso.
Aqui.
Ao silencio.
Sim, o silêncio.
Ninguém.
Exato. Ninguém. Finalmente.
Nem você.
Principalmente, sem mim.

CENA 20 ( Final B)
RICARDO CABAÇA
O cheiro é demasiado característico e insuportável, não é exatamente como vemos nos filmes, mas pelo menos a sensação é semelhante àquela quando vemos um detetive ou um familiar a reconhecer um corpo. Sempre achei isso alucinante e perverso, ter de reconhecer numa pessoa morta aquilo que foi em vida, ou identificar vida num corpo morto. É difícil dizer que a comissão de boas-vindas é acolhedora. São profissionais e ponto.
Olho para a parede e vejo gavetas como via na minha casa, só que neste caso a roupa foi substituída por vida extinta. A organização leva-me a pensar em mercadoria. Gostava de ter trazido um discman para poder ouvir as baleias do Alasca. Ao invés disso ouço as lâmpadas fluorescentes, um zumbido incessante que me distrai do protocolo. Alguém fala comigo e eu só penso em baleias.
Se aquelas gavetas fossem gaiolas, podia ter a certeza que ia encontrar o meu pássaro, mas não me chamaram para ver pássaros mortos, o assunto é sério. Procuro em vão concentrar-me, não tenho onde colocar as mãos, os bolsos estão cheio de pedras e bilhetes. Habituei-me a escrevê-los, a deixar pistas para o futuro. Alguém me deixou um recado e por isso estou aqui.
É difícil concentrar-me, os médicos não param de falar - onde é que está o silêncio devido aos mortos? a etiqueta diz que devemos reconhecer um morto em silêncio. - sei que se fizerem uma pergunta eu não saberei responder, estou demasiado distraída.
Peço finalmente para destaparem o corpo. Lembro-me das ruas à noite e dos edifícios antigos durante o dia, como a sombra modifica a arquitetura, andei sempre sozinho quando saía dos bares. No estrangeiro tudo é mais bonito, não é? A perfeição não existe, não páro de ouvir baleias, a ponta do meu dedo é picada levemente pelo pássaro morto.
Sim, reconheço o morto.
Não, não posso identificar nenhum sinal de nascença.
Não éramos próximos.
Algumas vezes.
Não sei o nome.
Há uma semana, talvez.
Era boa pessoa.
Não quer dizer nada, dizemos isso de todos os mortos, não é?
Sim, não podemos dizer o mesmo do nosso presidente, ele morreu e ninguém o elogia.
Não, amigos não.
Isso é demasiado pessoal. Sim, dormimos algumas vezes.
Vizinhos.
Inimigos? Que eu saiba não.
Um tiro na minha casa? Estive em viagem. Além do mais a polícia foi lá e não encontrou nada. Eu estou aqui.
Assassinado a tiro? Meu deus, que horror.
Sim, pode cobrir e guardar o meu vizinho.
Talvez o meu pai, ele sempre teve ciúmes de mim. Agora consigo respirar melhor. Ele nunca suportou a ideia de eu poder sair com homens. O meu pai é um caçador - quem me dera poder falar dele no passado - e não aceita a derrota, ele ordena sempre o último grito. Quando falava em namorados o meu pai limpava as armas, dizia-se pronto para a caça. Claro, os sinais eram evidentes, eu tinha medo, não podia suportar a ideia de violência. Evitei toda a vida.
Na fazenda onde vivia com os meus, distante de qualquer vizinho, o meu pai habituou-se a abrir a temporada de caça. Substitua-se a palavra pato por namorado da Scarlet e terão a imagem completa. O meu pedia para conhecer os meus namorados, saiam para caçar e eu nunca mais os via. Era evidente que ele os matava, mas eu tinha medo, não por mim, pela minha mãe. Os corpos deles repousam na montanha.
Não quero pensar em mais nada.
As baleias são livres e o seu canto é escutado a quilómetros de distância. Por que razão os meus nunca foram ouvidos? Gritei muito no meu quarto quando via os pés do meu pai a interromper a luz, uma sombra projetada com a forma de monstro.
Não quero pensar mais nada.
Ligava o meu discman e ouvia uma música tropical, a alegria da música levava-me para longe dali. As pilhas acabavam e eu deparava-me com a geografia no meu corpo, biologia contrariada pelo monstro.
A minha mãe, sem qualquer sombra à sua frente, cozinhava estupidamente para a distopia da nossa família.
Não quero pensar em mais nada.
Tantos anos depois, o meu tempo é contado em sangue ou em memórias que eu quero apagar. Espero que estas pilhas terminem o mais rápido possível.
Alguém me chama na rua, do outro lado da estrada um homem acena.
Não quero pensar em mais nada.
O dia começa a nascer e agora as sombras são outras, não tenho mais medo, talvez devesse viajar para as noites brancas, onde não voltaria a ter que me esconder. Não dormiria durante meses, mas que importância tem isso? Os dias seriam inteiros e os passeios livres. Parar numa praça qualquer, deixar de andar à pressa, sem sentir que alguém me filma furtivamente. Senti-me espiada todo este tempo, uma respiração nas minhas costas.
Vou escolher um destino para me tornar invisível dentro da normalidade de uma cidade, um pai a passear com os filhos, casais de mãos dadas, cães que dormem ao sol, gatos que espreitam as oportunidades. Talvez, quem sabe, um grupo de velhos joga às cartas, enquanto distraem o futuro inevitável.
A fuga tem a legitimidade da procura, quem foge procura uma alternativa e quem persegue quer o corpo do perseguido. Um caçador sem camuflagem no sol denunciante do meio-dia.
Vou para um país de pássaros. As gaiolas estão vazias e os parques de estacionamento lotados, os pássaros voaram para o concreto. Tudo funciona de outra forma.
Agora que o dia nasceu não me importo mais com a crítica, o ócio pode ser novamente galante.
Nesta cidade as baleias passam muito ao largo, teria de enfiar a cabeça na água para poder ouvir os seus segredos. Onde estão vocês? Num museu de história natural aqui perto, um maxilar gigantesco está exposto para os visitantes terem a ideia do tamanho de uma baleia. Falta o canto ao lado, em todo o lado, o abandono de um osso num campo devastado do passado.
Preciso de comprar pilhas, ligar o meu discman e adormecer ao som das baleias do Alasca. Sei que ao longe ou muito perto, um gato negro espreita o meu colo ainda quente.
CENA 20 ( Final C)
SILVIA GOMEZ
1.
Escute:
2.
Leia:
Escute, deixei o pássaro
Você sabe onde
Em qual livro
Em qual título
Agora ele mora dentro de um poema
Foi o melhor que consegui nesta manhã
As árvores estão queimando
Tudo queima
Tudo sangra
Assim como a memória
O seu rosto
O melhor, daqui em diante, é combinar as palavras aleatoriamente, hoje eu entendi
Também entendi que quando alguém insiste demais em dizer que é alguma coisa, muitas vezes é justamente porque não consegue ser essa alguma coisa que deseja por demais ser
Tantos anos para descobrir o evidente
Desejo ser o pássaro
Mas não sou
Saí andando rodovia afora, não importa para onde
Estou a quilômetros de distância
Pretendo terminar isso olhando tudo de longe, sentada no topo de alguma paisagem em chamas
No mesmo livro, pág. 91, você verá sublinhado:
“Certas canções despertam em nós a vontade de uma história que já aconteceu mas que não vai acontecer mais”*.
Vire a página e lerá também:
“Faça por polir seu riso, principalmente ao entardecer. Afine diariamente a pontaria e reze para que nunca seja necessário o disparo”
Mas prefiro a pág. 91, pois fala da canção
E gosto mais da palavra canção do que da palavra música
Soa melhor, não acha?
Ainda que aleatoriamente escolhida
Esta canção para
O seu rosto.
PS: É curioso que esse texto. Sim, o da pág. 91. É curioso que ele tenha sido originalmente escrito para uma criança de 9 anos. Era essa a idade que tínhamos, não era?
3.
...
4.
Canção para o seu rosto.
5.
......
Oi.
Achei que nunca mais fosse te ver.
......
Eu também.
......
Teria sido melhor.
Eu sei.
......
Entra.
......
Não soube o que fazer com as coisas.
As coisas?
É. As coisas todas. Elas crescem, não cabem mais sob a pele, nem mesmo se você estiver andando a esmo, elas não cabem nem mesmo no ar, mas então pensei que elas são minhas – e também suas – e é a nós que elas cabem. Toma, fica com isto.
Você usou o verbo caber.
É a nós que aquelas coisas cabem. É a nós também que este tempo cabe. Este tempo nos escolheu, não é? E isto. Fica com isto também.
Mas elas não cabem. As coisas que são nossas. Minha e sua. E nunca vão caber.
Eu sei.
Nunca vamos caber em lugar nenhum.
Eu sei.
......
É melhor você voltar.
Já não posso.
Voltar mesmo. De onde veio.
Eu sei, mas não sei mais o que fazer com o meu corpo porque não importa quão longe eu vá.
Seguir andando.
Eu continuo aqui.
Mas é o melhor, você sabe.
Eu sei.
......
Ok.
Ok.
......
Não se preocupe. Ele nunca mais vai aparecer. Ele nunca mais vai te perturbar. Ou a mim.
......
Você pode jurar isso?
......
Não sei, eu acho que sim. Sim.
......
Ok.
......
Ok.
......
Guarde isto também.
Ok.
Obrigada.
*Livro “Jóquei”, Matilde Campilho
EPÍLOGO
RUY FILHO
Você quer isso mesmo, tem certeza?
Minha mãe me mataria, se ela estivesse aqui. (Ele ri)
Eu sei. Mas não estou te perguntando só por causa dela. Nem te parece estranho comer isso?
Claro que sim. Só que já morreu, não morreu? Então...
Então? Aí devemos aproveitar, é isso? Porque a culpa não é nossa mesmo, não fomos nós que matamos. Sério?
Dá para você apenas me deixar comer? Pede outra coisa. Outro bicho. Porque sendo outro bicho pode, não é?
Não é a mesma coisa.
Ok, eu sei. Não é. Só dessa vez. Prometo.
Por que é tão importante para você fazer isso?
Não sei. É como se faltasse essa parte da história dela.
Ela nunca iria comer isso.
Acho que não.
Com certeza, não.
Você não a conheceu direito.
Nem você.
Mais do que você.
Ok. Não quero brigar. É que tenho pena.
Também tenho. Mas só dessa vez, tá certo? Prometo.
Faz o que você achar melhor.
Como foi?
É estranha.
Não te disse?
A carne, não. Normal. Uma carne. A coisa toda é estranha.
Você está pensando nela, claro.
Acho que não queria ter comido.
Você quer falar comigo? A viagem toda você está assim, quieto. Quieto demais. Logo você. Estou ficando preocupado.
Deixa pra lá. Esquece. Está tudo bem.
Sério. Vamos conversar.
Eu preciso ir ao banheiro.
Tem certeza?
Sim. Eu preciso vomitar.
(dez minutos)
Pede uma água.
Não. Prefiro um saquê. O mais forte que tiver aqui.
Não quer ir a outro lugar? Aqui é horrível.
Deixa eu respirar um pouco, por favor.
Você que sabe.
Eu nem sei se sinto falta dela, sabia? Então não sei o que me deu. Eu só vi esse lugar e... Acho que foi uma maneira de mata-la dentro de mim, de confrontar, desafiar, negar. Não sei. É claro que sinto saudade. Só que sentir saudade não é o mesmo que sentir falta. Gostava de quando ela me ligava atrasada. Porque ela sempre estava atrasada. Eu achava que era normal; as mães são ocupadas, eu pensava. O que uma criança podia pensar além disso? Que não era amada? Que era qualquer coisa que ninguém queria perceber que existia? Nunca entendi. Ela, meu tio, meu avô, os vizinhos, a polícia. Sempre parecia haver polícia em tudo. Em todo lugar. Nunca entendi por que eu praticamente vivia sozinho no nosso apartamento. Nunca entendi como ela podia fazer isso com uma criança sem se importar. Quando meu tio veio em casa, aquela última vez, ele deixou um brinquedo velho. Disse que era deles. Que brincavam quando tinham a minha idade. Disse que agora ele seria meu. Um animal, acho que um... não sei dizer. Pequeno, feio, destruído. Era mal empalhado. Isso foi do seu avô, ele disse. Parecia um troféu macabro. Eu o queimei naquela noite. Nunca entreguei pra minha mãe. Scarlett nunca viu aquele treco horrível. Quando chegou, só na manhã do dia seguinte, como sempre fazia, contou que meu avô havia morrido. Que avô? Nunca tive um avô. Eu nem sabia que tinha algum, que ela tinha pai. Eu nunca tive pai. Parecia normal que muitas mães não tivessem pai. A música de baleia que ela colocava pra ouvir... Acho que entrei aqui para ver se conseguia tirar ela de dentro de mim. Ela me fez odiar as baleias. Ela sempre gostou mais delas do que do próprio filho.
Com licença, senhor. Posso lhe perguntar o seu nome?
Jonas.
Como se chamava sua mãe?
Não vejo sentido nisso.
Desculpe, senhor. É uma pergunta simples, eu...
Vamos? Esse lugar realmente...
Senhor, por favor, pode ser estranho, mas preciso apenas saber o nome dela.
Por que?
Ela já esteve aqui?
Não sei. Talvez. Nos últimos anos ela viajou muito.
O nome, senhor, por favor.
Vamos embora. Agora.
Scarlett. A mãe dele se chamava Scarlett.
Por que você disse isso? Qual o sentido? Eu não ia dizer. Esse cara é louco, não está vendo?
O senhor está bem? Senhor, antes que saia, preciso lhe mostrar algo.
Você não vai abrir?
O cara era maluco. Ou vai ver me confundiu. Deixa pra lá.
E quanto tempo mais você vai ficar na janela?
Eu não sei. Eu só estou...
Posso abrir, então?
Faz o que você quiser. Eu preciso sair.
Tudo bem, é só eu pegar a...
Deixa eu... Por favor. Eu preciso ficar sozinho.
...
...
...
Não consigo te ouvir direito, onde você está?
...
Você consegue me ouvir?
...
...
...
...
Vem pro hotel.
...
...
Escuta, vem pro hotel.
...
É sério.
...
...
...
...
...
...
...
...
Não consigo te ouvir.
...
...
Você não vai acreditar.
...
...
...
Vem pro hotel!
(4h11)
(quarto do hotel)
(a cidade em silêncio)
(chove)
(a televisão sem som tenta avisá-los sobre o mundo)
É uma pele de baleia.
Tem certeza?
Acho que sim. Eu nunca vi uma, mas parece.
Você fez isso?
Não.
Jura?
Juro.
Isso não pode ser verdade. É impossível.
Eu também acho impossível. Mas olha aqui!
Como ela faria isso?
Eu não sei. Eu realmente não sei.
Você leu?
Não. Quando vi o nome dela, fiquei tão assustado que te liguei correndo.
(7h42)
(quarto do hotel)
(a cidade acorda)
(eles ainda não dormiram)
(chove)
(a televisão está desligada)
Filho. Não tive coragem de te escrever de outra maneira. Um papel talvez fosse simples demais para lhe pedir desculpas. Mas, ao me deparar no museu em Istambul com aquela peça, resolvi que precisaria ser assim. Minha carta lhe encontraria, ou seria parte da vida que nunca mais nos falássemos. Por isso escolhi lhe escrever não na minha pele, como deveria, em outra, naquela que me é mais sagrada. Esconder essa carta no Japão, antes de tudo acontecer, foi necessário. Não se trata de um jogo ou enigma. Precisava tê-la o mais longe possível de seu tio. Ele a destruiria se soubesse onde a guardei. No corpo de uma baleia, senti-me protegida de sua loucura.
Preciso que me entenda. Foi impossível continuar ao seu lado. Impossível continuar comigo mesma. Nossa família carrega uma espécie de descompasso em relação à vida. Sempre percebi isso. Só que era mais. Não conseguimos nos perceber humanos. Não somos como os outros. Somos monstros furiosos. Nessa desumanidade que nos faz está uma incapacidade em existir sem destruir tudo e qualquer um. E você não é qualquer um. É e sempre será meu filho. É sempre e será parte de mim. E isso também me assusta, pois não sei o quanto meu do que de pior carrego segue em você. Cuide-se. Proteja-se. Meu medo é ter, assim como tivemos, outro de ti em ti. Não lhe dê espaço. Não seja como nós. Vença-o. Vença a você mesmo.
O mundo está diferente e por isso não houve como continuar. Talvez não se lembre ou nem mesmo saiba. Havia uma pequena poesia capaz de caber em um minúsculo bolso da roupa. Eu conversava com esses passarinhos como quem falava com a natureza inteira de uma única vez. Era como se colocasse minha alma dentro da palma da mão. Seu tio matou um a um. Sem piedade. Sem carregar culpa alguma por saber que, com isso, destruía e sumia comigo um pedaço de cada vez. Sem os pássaros eu não poderia mais existir. Espero que compreenda isso.
Scarlett.
(11h01)
(a arrumadeira bate à porta)
Senhor, preciso que deixe o quarto. Precisa ir. Já fizemos seu check out. O aeroporto será fechado em breve. Também o hotel será esvaziado e isolado.
Não sei do que está falando.
Está um caos, senhor.
Tudo bem. Eu não entendo.
O senhor viu as notícias?
Não.
Por favor, coloque a máscara.
Por que?
Por favor, senhor.
Ok, coloco. Ele também?
Desculpe, senhor, ele quem?